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Anos 70: Barbieri e o Rock Argentino

Casei-me com minha primeira esposa em dezembro de 1975. Nossa Lua de Mel foi, bem ao estilo hippie, uma viagem de carona desde São Paulo até a Argentina. Eu já possuía alguma experiência em pegar caronas pois, já tinha tentado esta façanha anteriormente duas vezes.

A primeira viagem foi logo depois que fiz o serviço militar obrigatório. Foi a forma que encontrei para destruir todo o condicionamento recebido e assim voltar para o meu antigo eu. Infelizmente o dinheiro que tinha para a alimentação era muito pouco e eu só consegui chegar até Chuí na divisa do Brasil com o Uruguai. Uns dois anos depois tentei novamente, desta vez fui mais equipado, com mais dinheiro, uma barraca e a companhia de uma garota.

Perigo no Uruguai!

Desta vez consegui chegar até Montevidéu, a capital uruguaia. Cabe lembrar que, no começo dos anos 70, todo o cone Sul vivia debaixo do controle de ditaduras militares patrocinadas pelos Estados Unidos. No Uruguai a guerrilha de resistência era comandada pelo Movimento Tupamaro. O nome Tupamaro foi inspirado no nome do revolucionário Inca chamado Túpac Amaro II e este movimento foi resultado da união do Movimento de Apoio ao Camponês com membros de vários sindicatos.

No Uruguai pegar carona era um perigo porque o risco de ser confundido com um “colaborador” e, “desaparecer” na mão dos militares era muito grande. ??Não tinha viajado tanto para desistir tão fácil! Não dei atenção aos conselhos da população local que dizia que a coisa estava perigosa do outro lado da fronteira. Quer dizer, para não arriscar muito, tomamos um ônibus em Chuí com direção à Montevidéu. Umas horas depois, já no meio do caminho fomos parados pelo exército uruguaio que, depois de revistar e checar os documentos de todo mundo, felizmente nos deixou passar. Chegamos tarde da noite em Montevidéu e nos hospedamos num hotelzinho modesto. Não conseguimos dormir pois, tivemos uma noite assustadora ao som de rajadas de metralhadoras e explosões.

No outro dia, de manhã, descobrimos que justamente a nossa rua estava interditada pelo exército e à poucos metros do hotel podia-se ver a frente de uma casa com manchas escuras e cheia de marcas de bala. O boato no hotel era de que aquela casa abrigava uma célula comunista. Ficamos sabendo também que havia um forte rumor de que o governo estava para decretar Estado de Sítio e iria fechar todas as fronteiras. Achei melhor abandonar o país o mais rápido possível.

Bom, em 1975, com meu casamento chegou a chance de tentar novamente. A moeda brasileira estava forte, e eu estava bem de dinheiro. Viajar de carona era apenas uma opção minha.

Pegar Carona

Houve um tempo, em que as pessoas eram mais desarmadas, menos desconfiadas e existiam menos bandidos na estrada. Pedir carona era uma coisa nova tanto para quem pegava como também para quem dava carona. A verdade é que muita gente não gostava de viajar sozinha e a idéia de ter um acompanhante para conversar durante a viajem era boa, tirava a monotonia da viagem. Sempre aprendemos alguma coisa conversando com as outras pessoas, não é mesmo? Eu tinha só 23 anos e minha esposa 20. Dois jovens com uma plaquinha escrito “Recém Casados”. Para nós, naquela época pegar carona foi fácil demais. O povo quando sabia que estávamos em Lua de Mel até pagavam o almoço.

Na estrada

Fizemos o trajeto São Paulo/Curitiba em um dia e depois Curitiba/Florianópolis no próximo, então foi a vez de Florianópolis/Torres já no Rio Grande do Sul onde acampamos e passamos o Ano Novo. A próxima jornada foi de Torres até Porto Alegre onde atravessamos a ponte sobre o Rio Guaíba e pegamos uma carona até Pelotas. No próximo dia fizemos o trajeto Pelotas/Chuí. À partir de Chuí achamos melhor tomarmos um ônibus até Montevidéu e de lá uma barco até Buenos Aires. Dormimos numa cabine à bordo do navio e acordamos bem cedo para ver o Sol nascer em alto mar. Foi a primeira vez que tinha tido este tipo de experiência e foi também a primeira vez que vi uma gaivota.

Lembro-me que fiquei impressionado com a cidade. Muitos anos depois quando visitei Madri imediatamente percebi de onde os argentinos tinham tirado a inspiração.

Na trilha certa

Durante a nossa estada em Buenos Aires, em um sábado ensolarado, no começo da tarde, entramos em uma galeria cheia de lojas elegantes. A maior parte das lojas já estavam fechadas. O sistema de som da galeria tocava em bom volume um rock argentinho de qualidade e bem pesado para a época. Imediatamente quis saber o nome da banda. Lá, num cantinho meio escondido vimos uma loja de discos com a porta aberta. Era esta loja que fazia o som da galeria.

O dono da loja muito simpático mostrou-me a capa do disco. Era o álbum La Bíblia da banda Vox Dei. Eu comprei o álbum imediatamente e perguntei que outras bandas argentinas de rock ele tinha.

Para resumir, naquela tarde eu comprei 35 LPs. Nem preciso dizer que acabei ficando amigo do dono da loja que, naquela noite nos levou para uma churrascaria no seu carro um Falcon que corria pelo centro de Buenos Aires como se tivesse numa pista de corridas.

Eu acabei ficando com uma respeitável coleção com o melhor do rock argentino daquele período. Nesta coleção estavam incluídos álbuns das bandas: Sui Generis, Almendra, Aquelarre, El Reloj, Espiritu, Invisible, Pescado Rabioso, Porcheto, Spinetta, etc.

Nesta época a banda Los Gatos da qual sairia o famoso guitarrista Pappo já era considerada legendária. Infelizmente não consegui achar um álbum para comprar, em todo lugar estava esgotado. Só alguns anos depois, já no Brasil foi que fui ouvir um dos primeiros álbuns da banda Pappo’s Blues.

Para quem não conhece, o músico Spinetta é também uma figura legendaria e, juntamente com Charly Garcia são considerados por muita gente como os pais do rock argentino. Em 1969 Spinetta gravou seu primeiro álbum com sua banda chamada Almendra. Mais tarde, quando a banda acabou, Spinetta lançou um álbum solo e partiu para a Europa. Algum tempo depois, Spinetta voltaria para a Argentina para formar outra banda que ficaria legendária: Pescado Rabioso e, em 1974 Spinetta formaria mais uma banda: Invisible.

Neste período inicial, bem turbulento da história de seu país, Spinetta assumiu uma postura de esquerda, e usou o rock para manifestar suas idéias. Em um tempo onde a censura imperava em todos os meios de comunicação, sua aparição num show com as mãos pintadas de verde foi um ato simbólico e corajoso que entrou para o folclore local e foi contado de boca em boca pelos roqueiros da época por um bom tempo.

Recordo-me que busquei por um show de rock em Buenos Aires e não consegui encontrar nenhum. Conformei-me em ir à um cinema local para assistir pela segunda vez o filme Concerto para Bangladesh organizado pelo Beatle George Harrison. Já dentro do cinema, fiquei surpreso com o comportamento da platéia que aplaudia depois de cada música como se estivessem presenciando um show ao vivo.

Nesta visita, fiquei com a impressão de que a repressão militar e a falta de liberdade para manifestação física fez com o rock argentino caminhasse mais para o lado progressivo onde a música era mais voltada para a mente do que para o corpo.

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Confesso que fiquei com uma certa inveja dos argentinos porque suas bandas e músicos eram muito bons e carregavam uma aura de profissionalismo que os colocavam muito à frente dos brasileiros. Na Argentina existia um público que venerava as suas bandas. Existia também uma revista de rock verdadeira chamada Pelo (cabelo). A Revista Pelo era como se fosse a revista Rock Brigade já em 1975! A Pelo tratava os músicos argentinos de igual para igual com os músicos ingleses e norte americanos. No Brasil a coisa era diferente. Nossas bandas foram sempre tratadas como bandas de segunda categoria.

Quando voltei da Argentina emprestei meus discos para o Jacks que fazia o programa Kaleidoscópio que era transmitido na Rádio América. Ele fez um especial sobre o rock argentino. O difícil foi conseguir pegar os discos de volta :-)

Passariam 2 anos para que eu pudesse ver um show com bandas de rock argentino. Foi em setembro de 1977 no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo no I Concerto Latino-Americano de Rock. O show contou com as bandas Crucis, Los Desconocidos de Siempre, Máquina de Hacer Pajaros, Pastoral Alas e o músico Leon Gieco. Eu já conhecia Leon Gieco porque ele fez parte da banda Porsuigieco que tinha uma música que eu ouvia muito chamada La Mama de Jimmy. Aliás, eu tive a oportunidade de fotografar Leon Gieco neste show e enviar-lhe as fotos. (Minha memória me diz que aconteceram dois shows. No primeiro show eu fotografei. Como trabalhava só com filme branco e preto, revelando e ampliando-os eu mesmo, fiz um trabalho rápido e entreguei as fotos pessoalmente no outro show). Deste festival, a banda que marcou pelo som poderoso foi a banda Crucis. Mais tarde compraria o LP.

Que aconteceu com meus discos? Infelizmente nos tempos do Projeto SP Metal a pobreza foi tanta que tive que vende-los para poder ter uma refeição decente. Vários deles hoje fazem parte da coleção particular do Luis Calanca da Loja Baratos Afins. Graças à internet, pude encontrar a maior parte deste material raro que, aqui compartilho, fazendo uma seleção especial para esta matéria. Tudo que vocês ouvirem aqui é clássico para fazer argentino que viveu esta época chorar :-)

Nota final
Lembro-me que, além dos 35 LPs, também comprei uma bota de bico, um paletó de couro cor vinho e um homenzinho de madeira articulado, mostrado todas as suas proporções físicas, um objeto muito útil para quem desenha e que era muito caro e difícil de ser encontrado no Brasil. Comprei também numa loja de livros usados uma coleção de mais de 50 fascículos de uma publicação especializada só em discos voados, um assunto que eu acompanhava de perto.

A bota de bico causou sensação porque em São Paulo era quase impossível conseguir-se uma. Naquela época, botas só mesmo modelo "jeca" de bico redondo. Recordo-me que uma noite no bairro do Bixiga, no famoso restaurante Montequiaro uma pessoa saiu da sua mesa para vir me perguntar onde é que tinha comprado a mesma.

O paletó de couro vinho lamentavelmente foi roubado de dentro do ônibus da Patrulha do Espaço durante um show pelo interior de São Paulo.

O bonequinho de madeira, ainda existe. Está bem velhinho, com mais de 35 anos. Já na época, ele recebeu um nome carinhoso: Palitinho. Lá por volta de 1985, por duas vezes tirei-o de dentro da bolsa da Andrea, na época minha namorada, hoje minha atual esposa. Eu era muito magro e ela me chamava de Palitão. Ela sempre queria levar o Palitinho para casa. A mensagem estava clara! :-)

Hoje depois de tantos anos, o Palitinho mora no nosso quarto na casa da mãe dela em São Paulo. Isto só vem mostrar como é forte o poder de quem ama! Andrea acabou dona do Palitinho e também do Palitão que, desde então, com a idade, ganhou uns quilinhos e já não é mais tão palito assim…

Antonio Celso Barbieri


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