Mark Lanegan: É meu destino ser o último em pé? (2022)

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Mark Lanegan ao vivo em São Paulo, 2010 (Foto: screamyell)

Untitled Lullaby
por Michel Aleixo

setlistlanegam Em Skeleton Key, Mark Lanegan canta: “I spent my life, tryin' every way to die. Is it my fate to be the last one standin'?”.
 Mark Lanegan morreu, aos 57 anos, hoje, 22/02/2022. Uma data palíndroma, pode ser lida de trás para frente ou de frente para trás. Como a palavra “reviver”.
 O músico reviveu muitas vezes. A ponto de questionar, na letra acima, se seria o último homem de pé.
 Provavelmente se referisse ao fato de enterrar alguns dos nomes mais importantes da música da década de 1990, como Kurt Cobain, Laney Staley e Chris Cornell. Todos amigos próximos. Todos, assim como ele, expoentes do último movimento musical capaz de distorcer o status quo, o grunge.
 Ele venceu vários vícios e provações. Justamente alguns que levaram esses amigos a sucumbir como a depressão, a desesperança e o maior deles, a heroína. “Droga pesada não é um meio de aumentar o prazer de viver. Junk não é um barato. É um meio de vida.”, escreveu certa vez o guru dessa turma, o escritor William Burroughs.
 Mark Lanegan conta como superou esse meio de vida na autobiografia mais sincera que já li: “Sing backwards and weep”, lançada no Brasil pela editora Terreno Estranho.
 Em um dos mais tocantes trechos, internado em um hospital psiquiátrico, ele escreve: De repente, de maneira espontânea, num momento de desespero abjeto, eu disse em voz alta: “Deus me mude”. Eu não sabia quem estava chamando… mas no segundo em que supliquei por misericórdia, fui fisgado por uma força invisível e ainda assim esmagadora, tão poderosa e repentina quanto um tiro de espingarda.  Uma epifania surreal instantânea de dezesseis gotas de ácido, como se eu tivesse mijado em uma cerca elétrica extremamente poderosa.
 A história de Mark Lanegan é fascinante porque ele foi um anti-herói autêntico. Do tipo que nunca faz questão de ser visto como tal. No livro “O Herói de Mil Faces”, Joseph Campbell fala sobre o conceito do monomito, estrutura adaptável a obras literárias e cinematográficas também chamada de “jornada do herói”. Nela, o protagonista tem seus momentos de partida, iniciação e retorno, pincelados por provações que se assemelham a trajetória de alguns dos mais importantes personagens da história, como Jesus.
 O que faz do monomito de Campbell uma ideia essencialmente fake é a omissão da verdade comum à imensa maioria dos mitos heróicos gregos: heróis ferem pessoas. Mark Lanegan feriu pessoas, carregou fantasmas por toda a vida. Assombrações narradas em suas músicas. Sensações, fraquezas e angústias tão reais e comuns que é impossível ouvir sua obra e não ser legitimamente tocado.
 As músicas de Mark Lanegan são ideais para corações feridos. Não para curá-los, mas para jogar sal nas feridas, se embriagar e sentir prazer com a dor.
 Como um presságio, venho ouvindo Mark Lanegan nas últimas semanas quase religiosamente. Por algum motivo, meu filho de três meses, Caetano, gosta de ser acalentado pela voz barítona do cantor.   Qualquer um que tenha visto um bebê de perto há de concordar que eles são as criaturas mais puras deste mundo, simplesmente porque não estão aqui tempo suficiente para serem contaminados por toda a sujeira que os circunda. Talvez seja a honestidade na voz de Lanegan que conquiste o público recém-nascido. Por chorarem com a mesma facilidade que respiram, pode ser que bebês saibam que não ter vergonha de esconder suas fraquezas é o que há de mais admirável nos humanos.
 Em 14 de abril de 2012 assisti seu show em São Paulo. Era costume de Lanegan sentar numa mesa próxima a saída do clube e falar com literalmente todo o público que fazia fila em direção a saída. Ele foi cortês comigo, autografou o setlist que roubei do palco e até hoje tenho guardada essa memorabilia.   Quanto mais velho você fica, o mais sábio a fazer é aprender a admirar a obra e não as pessoas. A arte deve estar acima do autor.
 Hoje, não fui capaz de manter essa premissa. Mark Lanegan é um dos artistas mais genuínos que aprendi a admirar. Ele reviverá para sempre. Cada vez que sua mensagem eterna acalentar corações.   Como acontece com os heróis verdadeiros.

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