Lá fora, na periferia, não existem estrelas

Lá fora, na periferia, não existem estrelas
(Geoffrey Cannon)

The End, música composta e gravada por Jim Morrison, e que fez parte do primeiro álbum dos Doors, lançado em 1967, ainda é a canção mais estranha e atraente que um conjunto branco já tocou na década de sessenta. Os conjuntos ingleses, nessa época provaram aos americanos que música pop, para vender, não tinha necessariamente que ser divertida. Rítmica e dinâmica, sem dúvida, mas divertida, nem sempre.

Em The End, a música é econômica acompanhando o recitativo de: Morrison, enfatizando clímaxes e recuando novamente, dobrando esquinas e ruelas. Dá a sensação de que (como disse Morrison mais tarde) estamos todos juntos numa jangada frágil, e é preciso tomar cuidado.

Morrison não é poeta: não é nem um fazedor de versos. Ele se debate em imagens confusas, ligadas apenas pelo tema musical. Qualquer ouvinte pode associar suas letras com filmes, sonhos, imaginação, livros, etc. Quando o escuto, penso em amor perdido, dormência, pragas e estupros, filmes de Super-homem, velhice, pesadelos cheios de símbolos, solidão, perseguição. Outras pessoas podem evocar suas próprias lembranças.

O matador acordou antes do dia raiar / apanhou um rosto na galeria ancestral / e atravessou o corredor. / Foi ao quarto de sua  irmã / e... / a seguir foi ao quarto do irmão e ai ele... então voltou de novo pelo corredor.

A habilidade de Morrison é a de evocar imagens que nós todos absorvemos através dos meios de comunicação. A mim essa letra fez pensar na história de Truman Capote, A Sangue Frio; uma ênfase na falta de identidade, em máscaras. A lentidão e comprimento da música (11 minutos e meio), ao lado do dinamismo do ritmo, forçam a atenção de uma audiência adolescente, que vive uma vida feita de breves momentos, e cuja audiência de atenção prolongada é mínima. O rock muitas vezes, como nesse caso, canaliza a cacofonia de ruídos da cidade em um som estruturado, que se ouve porque é mais interessante e mais agradável.

O primeiro álbum dos Doors, de início atraiu uma audiência sofisticada e familiarizada com imagens chocantes e perversas através da pintura, da poesia e da literatura, mas que mesmo assim não pôde deixar de se sentir culpada - quando se envolveu com o rock - por causa das letras das canções, geralmente do mais baixo nível (com exceção dos Beatles e de Dylan). Essa mesma audiência, quando viu Morrison em cena, em cima de um palco, acabou rejeitando-o.

As apresentações de Morrison eram teatrais, espalhafatosas, mais explícitas e menos graciosas do que as de Mick Jagger. Parecia um ídolo que se levava a sério, pulando, gesticulando, beijando o microfone, lembrando os cantores antigos cujo comportamento era ditado por empresários que acreditavam que um pouco de pornografia faturava mais. Apesar de conhecido como um cantor que irritava a polícia, Morrison conduzia à alienação. Tanto que quando foi preso por “obscenidade em cena” foi ridicularizado por todos, especialmente pela Rolling Stone americana. Foi considerado um palhaço, um adolescente pretensioso e bobo.

Agora que ele está morto, há uma tendência para colocá-lo acima de qualquer crítica, o que é idiota. Mas é verdade que suas apresentações o exauriam tanto, que encorajavam comportamentos extremos e obsessivos, o que ajudou a matá-lo. Atualmente não existe nenhum cantor de sucesso que tente fazer o que Hendrix, Joplin e Morrison fizeram. Morrison tirou mais de si próprio do que qualquer outra pessoa, e por isso merece respeito. Ray Manzarek me contou como o grupo crescia por trás de Morrison, criando uma bateria de som que Morrison aceitava, absorvia e canalizava através de si, em explosões de si mesmo, na frente do palco. Seu número consistia em comunicar excesso e raiva.

À medida que o tempo passava, o grupo foi absorvendo mais e mais do clima de Morrison em sua música. No início, os Doors eram lembrados por frases de letras de Morrison, como: Cancele meu direito à ressurreição, queremos o mundo e o queremos agora, eles têm as armas mas nós temos os números, eu sou o Rei Lagarto e posso fazer tudo, etc, etc.
Certamente, The Celebration of the Lizard, da qual a frase acima faz parte, é a peça mais extravagante e barroca do rock. Na Ilha de Wight, em 1970, o número durou quase uma hora, tocada durante a noite diante uma audiência de 200.000 pessoas sonolentas parecendo uma elegia ao envenenamento do mundo ocidental.

A minha canção preferida dos Doors chama-se The Wasp (Texas Radio and The Big Beat). Faz parte do álbum "L. A. Woman" e é cheia de imagens brilhantes e inexplicáveis:

Eu quero lhe contar / sobre o rádio do Texas e a grande batida / que vem dos pântanos da Virgínia /
com... um ritmo estreito e difícil de aprender

O barítono claro de Morrison é acompanhado por guitarra e órgão em sons curtos e duros:

Eu amo os amigos que tenho /todos juntos nessa jangada frágil.

A música se torna insistente, onomatopéica, fugidia, e eu penso num astronauta flutuando. A dissociação é o forte dos Doors.

Lá afora, na periferia, não existem estrelas e nós somos imaculados. A música se torna uma marcha, cresce, e chega ao clímax, acompanhada por tambores que parecem ocos, distantes e tristes.



Os inéditos de Jim Morrison

Como Marat, Jim Morrison morreu numa banheira em Paris, em 1971, mas a cotação do roqueiro-poeta continua alta. Que o diga a editora americana Random House, que em 1987, pagou 200 mil dólares por um pequeno cofre etiquetado 127 Fascination, contendo poemas, letras de canções, anotações e cartões postais - todos inéditos - escrito pelo carismático crooner dos Doors. São quase 200 páginas, escritas a lápis sobre papel amarelo, incluindo os últimos textos de Morrison, feitos nos poucos meses de Paris antes de sua morte. Além do manuscrito original do único livro de poesia publicado por Jim, The Lords an The New Creatures, há um poema de 43 páginas intitulado Uma Noite Americana. O misterioso cofre ficou em mãos da companheira de Morrison, Pamela Courson - que morreu de overdose, em 1974 -, para ressurgir há pouco em San Francisco. As famílias Morrison, Courson e The Doors uma década depois da compra, ainda estão na Justiça, brigando pelos direitos. Mesmo morto, Morrison continua aprontando.

 

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