Cadê os funks inéditos de Tim Maia?

Inéditas mostram Tim Maia funkeiro
BRUNA BITTENCOURT colaboração para a Folha de S.Paulo
LUIZ FERNANDO VIANNA da Folha de S.Paulo

 

12 mar. / 2008 - Um mistério da música brasileira está, ao mesmo tempo, sendo resolvido e ficando mais confuso. Em se tratando de Tim Maia, não surpreende. Está, enfim, provado que existe um "Racional 3". Ou seja, um conjunto nunca lançado de oito músicas da fase mística do cantor -a da filiação à seita Universo em Desencanto e sua Cultura Racional. Muito já se falara disso, mas pouca gente conhecia o material.

A Folha revelou, há quatro meses, o projeto de um CD com essas faixas. Cinco delas, ainda sem os metais e as cordas que o produtor Kassin e os músicos Paulinho Guitarra e Serginho Trombone (ambos participantes das gravações em, possivelmente, 1976) estavam acrescentando, caíram na internet.

O vazamento - ilegal, pois não há pagamento de direitos - irritou envolvidos na história e aumentou o imbróglio que precisa ser desatado para o CD nascer.

Mesmo estando incompletas, tais quais o cantor deixou num estúdio logo após se desencantar com o universo da seita e abandoná-la, as faixas são ótimas e reveladoras.

"Já apontam para coisas que ele veio a fazer depois, com faixas disco e outras funk mesmo, funk rasgado", assinala Kassin, para quem "Racional 3" pode ser melhor do que os lançados em 1975 e 76.

"Ele estava fazendo essa transição", reforça Nelson Motta, que diz só ter sabido das inéditas depois de concluir a biografia "Vale Tudo". Motta também vê o "3" como igual ou superior aos outros dois.

Foi em seguida que o cantor lançou seus álbuns assumidamente de discoteca, como "Tim Maia" (1977), de "Pense Menos" e "Feito pra Dançar", e "Tim Maia Disco Club" (1978), de "Sossego".

O produtor Dudu Marote teve acesso em 2000 às cinco faixas que circulam na internet e resolveu batizá-las, pois Tim as deixara sem nome. A suavemente disco "Escrituração Racional" corresponde a duas faixas, pois são takes (não muito) diferentes, nos quais se destaca o falsete do cantor no refrão.

 "Ele estava com a voz como nunca esteve, por não estar usando drogas. Cantava absurdamente", exalta Kassin.
Essa boa forma também se confere em "Universo em Desencanto Disco", em que ele sustenta com suingue a melodia de poucos acordes - e ele se orgulhava disso, brincando que, com uma música de Tom Jobim, faria dezenas.

 Ainda que discretos, os metais já aparecem em Brasil Racional e You Gotta Be Rational. Na primeira, ele lê trechos do livro "Universo em Desencanto" em cima de uma base funk. Na segunda, sobre uma linha também funkeada, ele manda mensagens "racionais" em português e inglês.

 A Folha ainda teve acesso a quatro músicas que Tim fez para divulgar a Cultura Racional - espécie de jingles - e, pelo que se sabe, não faziam parte do "3". Essas estão completas, com coro, metais etc. Há, por exemplo, um samba-enredo e uma marcha que fariam sucesso em bailes de Carnaval.

 

Nelson Motta prepara biografia de Tim Maia
Tom Cardoso - Colaboração para a Folha de S.Paulo

 

18 jan. / 2006 - Rio de Janeiro, início dos anos 80. Nelson Motta está aos pés de Tim Maia tentando convencê-lo a entrar no bondinho rumo ao Morro da Urca para fazer o show mais esperado da noite. "Não entro nessa porra de jeito nenhum. Só com anestesia geral", avisa o cantor carioca.

A "anestesia" é providenciada, sob a forma de um coquetel de drogas lícitas e ilícitas --três copos de uísque, duas carreiras de cocaína e um cigarro de maconha. O bondinho permanece vazio. Horas depois, a solução para o impasse é dada pelo próprio Tim: "Ô, eu tenho uma idéia muito melhor: em vez de eu subir, manda o pessoal aqui pra baixo, e a gente faz o show na praça".

Oito anos depois de morto, Tim Maia (1942-1998) continua infernizando a vida de Nelson Motta. Desde 2000, o jornalista, escritor e letrista tenta, sem sucesso, dar início ao tão esperado livro sobre a vida do polêmico cantor e compositor, mas sempre esbarra em alguma pendenga judicial. São tantos os processos trabalhistas herdados pelo cantor, que Motta, com a Editora Objetiva, cercou-se de todas as precauções possíveis para que, enfim lançada, a biografia não seja embargada.

"Vou começar a escrever em breve, falta apenas assinar o contrato. Quando se trata de Tim Maia, todo cuidado é pouco, mas vale a encrenca", anima-se o jornalista, que é colunista da Folha. Motta é fascinado pelo personagem desde que o ouviu cantar pela primeira vez "Primavera", no estúdio da Philips, no fim dos anos 60. Até então, a música brasileira era dividida entre a turma da bossa nova, os tropicalistas e os roqueiros.

"Tim fundiu tudo numa coisa só e acrescentou uma irresistível dose de música negra, de soul, de Motown, de tudo que ele ouvira durante a fase em que morou fora do país", analisa.

Um capítulo inteiro deve ser dedicado à passagem do cantor pelos Estados Unidos, que durou de 1959 a 1964, quando foi deportado pelo governo americano após ser preso fumando maconha com dois amigos num carro roubado. Tim chegou a formar um grupo por lá, The Ideals, mas não vivia de música. Arrumava um bico numa pizzaria ou num bar e, quando se enchia do patrão, assaltava o próprio estabelecimento durante a noite e no dia seguinte pedia as contas.

Motta lembra que em janeiro de 1998, Tim conseguiu visto para fazer um show em Miami, depois de décadas proibido de entrar em território americano. De lá, alugou um carro, com um chofer português, e foi até Terryton, uma pequena cidade perto de New Jersey, onde morou. "Acho que ele pressentiu a própria morte e fez questão de voltar lá. Visitou os lugares em que trabalhou, passou em frente à cadeia em que ficou preso, fez todo um caminho sentimental. Nos encontramos em Nova York e ele me contou detalhes desse reencontro. Dois meses depois ele morreu."

Mesmo fortemente influenciado pela música negra americana, Tim, segundo Motta, jamais deixou de ser um músico brasileiríssimo. Gostava de samba, de marchinhas, de serestas. Preferia João Gilberto a James Brown. "Tenho em mãos um vídeo caseiro em que Tim Maia diz uma frase incrível sobre Tom Jobim: "Com os acordes que tem numa música do Tom eu faço umas 80!".

A fase da Tijuca, bairro da zona norte do Rio, onde Tim cresceu, também será contada com detalhes pelo jornalista. Foi lá que o músico conheceu dois vizinhos ilustres, Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Ao contrário do que se diz, o trio não formou o Sputniks --só Tim era da banda. Só depois, descobertos por Carlos Imperial, passaram a trabalhar juntos. Imperial queria que Roberto imitasse Elvis Presley e que Tim Maia imitasse o roqueiro Little Richard. Tim não tinha vocação para ser cover de cantor americano --viajou para os EUA e voltou fazendo fusões de rock com baião, soul com bossa nova.

"O Roberto deu a grande virada na carreira quando resolveu gravar [em 1969] 'Não Vou Ficar', de Tim. Amadureceu como músico, deixou de fazer os mesmos roquezinhos de sempre. Ele deve isso a Tim", diz Motta.

O que Tim Maia, o primeiro artista independente do Brasil a ter a sua própria gravadora e editora, diria sobre o fenômeno do MP3 (o formato digital que permite a troca de músicas pela internet e o armazenamento em computadores ou diminutos "players"? "Tim era imprevisível. Podia tanto adorar essa coisa de baixar música de graça na internet quando ficar puto e chamar a polícia."

Trecho do Livro "Vale Tudo"
(de Nelson Motta)

 
De manhã cedo, atendi o telefone e ouvi a voz inconfundível, em ritmo acelerado e inglês perfeito: “Good morning, mister Nelson Motta, here’s your good old friend Tim Maia, calling from room 9-B of the Delmonico’s Hotel, Park Avenue, New York City.”
Que alegria! Foi a maior surpresa, nem imaginava que ele estivesse na cidade, onde eu morava havia cinco anos. Não o via desde um espetacular show no Scala, numa viagem ao Brasil, uns dois anos antes.

“Ô Nelsomotta, eu tô aqui sentado numa cadeira e tomando café numa mesa tão antiga que estou me sentindo um Dom João VI, porque tudo é antigaço nesse hotel, mas o fogão está funcionando e você está convidado a tomar um breakfast e a torrar unzinho comigo. Now!”

Cinco estações de metrô depois, cheguei à esquina da Park Avenue com a rua 59 e entrei no decadente Delmonico’s, que não vivia mais os seus dias de glória mas ainda mantinha os pisos de mármore, os janelões e grandes espelhos, as imensas suítes com cortinas de veludo, paredes forradas de madeira e um mobiliário escuro e antigo, que davam mesmo um ar de Dom João VI doidão a Tim Maia comendo um croissant numa cadeirona, atrás de uma pesada mesa de madeira trabalhada.

“Tá vendo? Agora só me falta escrever com uma pena de ganso”, soltou uma gargalhada e se levantou para me receber. Nos abraçamos e beijamos, celebrando uma amizade iniciada em 1969, quando ele começava sua carreira e o convidei a participar do disco de Elis Regina que eu produzia. Quase trinta anos de música, escândalos e gargalhadas.

Ofereceu logo um baseado de boas-vindas: tinha acionado suas conexões nova-iorquinas e já estava com três qualidades diferentes de skunk, e ainda tinha um haxixe paraguaio, coisa de que eu nunca ouvira falar, mas que ele recomendou muito. Enquanto enrolava um tronco do que chamava de misto-quente, gritou para sua secretária, na cozinha da suíte: “Adriana, faz umas torradas e uns ovos mexidos pro meu amigo Nelsomotta e traz mais uma rodada pra mim. E traz panquecas também. E mel. E maple. E geléia. Traz tudo.”

Estava muito feliz de reencontrá-lo tão alegre e bem-disposto, achei até que estava um pouco mais magro — embora ainda imenso — do que em nosso último encontro no Rio. Me contou em detalhes a sua epopéia de três cirurgias no saco e seu rompimento defi nitivo com o goró e a brizola; jurou que nunca mais tinha faltado a um show, que a vida estava dura mas estava boa.

Mostrou fotos e contou histórias hilariantes sobre a viagem que fizera de Miami a Nova York, cruzando nove estados numa limusine pilotada pelo português Bonáveres, refazendo o seu itinerário de 36 anos atrás, que terminara numa prisão na Flórida e na sua deportação para o Brasil, em 1964. E, passando o braço de urso pelos meus ombros, mandou Adriana tirar uma foto do nosso encontro, os dois felizes e sorridentes.

Animadíssimo, Tim estava com 55 anos e me parecia razoavelmente saudável — para os padrões Maia —, muito afetuoso e doidão como sempre. Contou que iria a Tarrytown, a uma hora de Manhattan, em peregrinação aos lugares onde vivera dos 17 aos 18, lembrou de dramas e comédias de seus cinco anos nos Estados Unidos, a iniciação na maconha, a primeira prisão, a descoberta do rhythm and blues e do soul, os 19 endereços diferentes onde morou em Nova York.

Entusiasmado com seu estúdio e seus novos trabalhos, me deu os quatro discos que havia gravado no último ano e estava lançando pela sua gravadora Vitória Régia — “a única que paga aos sábados, domingos e feriados depois das 21 horas” —, com uma dedicatória que me comoveu, uma das mais honrosas que já recebi: “Com o respeito do Tim Maia.”

Pô, vindo de quem não respeitava ninguém, ou quase, era uma condecoração.

Desfrutar de sua amizade e testemunhar sua carreira eram um privilégio: um incessante espetáculo de grande música e alta comédia, protagonizado por um personagem único em sua paixão pelo excesso — de talento, de volume, de peso, de comida, de sexo, de drogas, de amor à arte, de cafajestice e agressividade, de ternura e generosidade — sintetizada em seu grito de guerra: “Mais grave! Mais agudo! Mais eco! Mais retorno! Mais tudo!”

Só consegui sair depois de horas de muita conversa e gargalhadas, entre várias rodadas de café completo, ovos mexidos e incessante carburação, me divertindo com histórias que qualquer fi ccionista consideraria inverossímeis, mas eram apenas fatos e acontecimentos corriqueiros do cotidiano de Tim Maia.

Mas que ficcionista seria capaz de criar um personagem como Tim Maia?

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