Jobim, bruxas e mitos: o Brasil que canta e assombra (2025)

Por um acaso de Spotify alucinado no carro, na estrada, me deparei com o espanto diante da monumentalidade complexa de Matita Perê, do nosso gênio descomunal, o Tom de um delírio chamado Brasil.
Como estou produzindo um disco, primeiro me chamou a atenção a arregimentação de músicos e os arranjos inacreditáveis... claro... uma produção típica do que não se produz mais neste mundo!
Imagine o custo daquilo... daquela orquestra, daquelas gravações, numa obra 100% Arte.
Claus Ogerman estava mesmo com a febre na caneta... e Tom estava completamente nas nuvens... que arranjos mirabolantes! E os músicos? A ficha técnica é crème de la crème...
Mas logo a seguir...
Me capturou um fascínio irresistível, instantâneo, que me abduziu para uma irrealidade 100% paralela, incompreensível, fora deste mundo previsível e chato, numa viagem pelas regiões crepusculares da alma dos sertões mais recônditos, rescendendo a Drummond e Guimarães Rosa, por rios villalobianos de matizes impressionistas franceses mesclados com o folclore mateiro — uma receita completamente psicodélica e atemporal.
Acachapante.
E me embrenhei por aquelas sendas, por aquelas sagas de uma terra de nome incerto e variável, sem dono, de um povo de tantos nomes e onde os homens nem têm mais nome, de tantos nomes que os homens têm...
Uma terra que gera um talento dessa natureza jamais seria uma terra qualquer.
Como podem caber tantas coisas e tantos sons e tantas histórias de tantos sonhos na cabeça e no coração de um mero conterrâneo nosso? Um conterrâneo tão simples, de tão boa gente que era. Tão engraçado, de tão espirituoso; de tão afetuoso, apaixonado e apaixonante que era.
Um gênio tão elegante, de tão boa praça que era; tão bom de conversa, que não acabava mais...
A parceria de Paulo César Pinheiro é outro espanto — aliás, nada surpreendente por ser talento comprovado em tantas obras-primas de primeira grandeza, que me fazem chorar sempre um choro inexorável da alma.
Mais uma vez tomou conta de mim a pergunta sem resposta... de que matas e florestas elementais brotou esse espírito chamado Tom — aliás, Antônio, por sinal brasileiro, por acaso de Almeida, de berço Jobim — que jamais se perdeu do seu delírio de gênio prazeroso... e com quem tive o privilégio de respirar o mesmo ar?
O que levou esse gênio do pop mais cool da história a mergulhar profundamente numa saga mitológica descomunal, completamente fora da curva?
Jobim pirou completamente em Matita Perê...
É maravilhoso quando a utopia da Arte converge numa obra atemporal.

Toda vez que não consigo retomar o meu fio da meada na música, lá está o Maestro Soberano para me lembrar que sempre é possível, e que também tudo é possível.

Nunca houve ninguém como Tom.

Guilherme Arantes

Matinta Pereira (ou Matinta Perera) é uma personagem do folclore brasileiro que possui diversas versões.

De maneira geral, ela é descrita como uma bruxa velha que, durante a noite, se transforma em um pássaro de mau agouro.

Em algumas versões, Matinta não se transforma; é apenas uma velha acompanhada de seu pássaro fiel e agoureiro.

Em outras, trata-se de uma velha que, à noite, se transforma em coruja, representando a alma de algum antepassado.

Matinta Pereira é descrita como uma bruxa velha que assombra as casas das redondezas durante a noite, momento em que se torna um pássaro conhecido como “Rasga Mortalha”. Assim, ele pousa nos telhados ou nos muros das casas, emitindo um assobio alto e estridente para que os moradores percebam sua presença.

Costuma aparecer à noite ou de madrugada, perturbando o sono das pessoas. Nesse momento, um dos moradores da casa deve dizer em voz alta que oferecerá o tabaco desejado pela entidade.

Depois da frase proferida, o pássaro voa para outras casas, repetindo o mesmo ritual. Em algumas regiões, em vez de tabaco, as pessoas oferecem comida, bebida, presentes ou outros bens.

No dia seguinte, com o aspecto de bruxa velha, Matinta vai às casas cobrar o que lhe foi prometido. Caso não receba a oferenda, amaldiçoa todos os moradores, trazendo-lhes doenças ou mesmo a morte.

A maldição de Matinta também pode ser transmitida. Quando a bruxa está prestes a morrer, costuma indagar outras mulheres perguntando apenas: “Querem?”. Se a resposta for positiva, a pessoa passa a carregar a maldição e se torna a nova Matinta.

Oriunda da cultura popular do Norte do Brasil, essa lenda é muito conhecida na região amazônica e provavelmente tem origem em narrativas indígenas.

Alguns acreditam que a história da Matinta seja uma variante da lenda do Saci-pererê, sendo descrita, em certas versões, como uma velha de uma perna só que vaga à noite, trazendo maus presságios e assustando as pessoas.

Seu canto estridente é associado ao do pássaro Tapera naevia, conhecido popularmente como Saci ou Matinta Pereira.

Essa metamorfose das lendas brasileiras é fruto da tradição oral e das características locais.

Sobre isso, o antropólogo Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), um dos maiores estudiosos do folclore brasileiro, acrescenta:

“... no sul é Saci tapereré, no centro Caipora e no Norte Maty-taperê.
O civilizado, que muitas vezes não entende a pronúncia do sertanejo, que é o mais perseguido por ele nas suas viagens, tem-lhe alterado o nome; já o fez Saci-pererê, Saperê, Sererê, Siriri, Matim-taperê, e até já lhe deu o nome português de Matinta Pereira, que mais tarde terá o sobrenome de da Silva ou da Mata.”

Referência:
CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. São Paulo: Global Editora, 2001.

Via: Renato Mello

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