Ácaros, Latinhas e o Futuro da Memória (2025)

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   Durante mais de um ano, os livros de arte ficaram alinhados em fila, sobre os mostruários, como soldados silenciosos à espera de serem consultados. Assim eu sabia exatamente o que tinha ali — tudo disposto à vista, porque ninguém entrava na biblioteca. Era o meu nicho, meu santuário particular.
Mas um dia entrou uma grana, e eu comprei uma estante. Foi aí que começaram a aparecer as lacunas. Tive que montar os volumes de consulta, reorganizar tudo. Aos poucos, a estante de arte se firmou — com destaque para o surrealismo e, claro, para Andy Warhol.
   Foi nesse embalo que me pediram um prospecto sobre o rock de Brasília. Na caça a esse tesouro — que, confesso, eu mesmo não sabia que era tão valioso — acabei comprando outra estante. E arrumei um canto. Assim nasceu a Sala Brasília, que um dia ainda será inaugurada com biscoito champagne, chá e queijo, como merece.
Cara, vou te dizer: fiquei orgulhoso com o arquivo que montei. Ele mostra uma Brasília translúcida, iluminada por uma luz dourada que poucos percebem. Agora só falta mesmo arrumar uma tela grande com o céu de Brasília pintado.
   O arquivo impressiona. Tem de tudo: várias edições da revista Bizz com Renato Russo na capa, as revistas semanais Brasília em Dia organizadas direitinho, revistas espirituais, flyers, folders, livros de arte sobre a cidade, compactos (alguns exclusivos), LPs históricos...
Como bom arquiteto do papel, deixo tudo empilhado de forma estratégica, como quem traça trilhas de João e Maria, para não se perder. São os meus mapas. E os zines? Um espetáculo à parte. Coisas incríveis, tipo os zines podreira da época em que o Death Slam surgiu, em 1989! Recortes de jornal resgatados do limbo. É matéria viva de uma história esquecida.
   Ter esse arquivo é, sim, um orgulho nacional. Mereço uma medalha, um diploma — mas na real, o que eu faço mesmo é rock pra galera fumaçar.
Isso já é um museu. E não se preocupe: amanhã vira fundação. Porque sempre vai ter alguém querendo administrar a história.

   Sei que é muito trabalho. O que começou como hobby, através de um fanzine em abril de 1982, se estendeu até os dias atuais. Depois de 43 anos de atividades ligadas à informação e apresentações culturais relacionadas ao rock, chegamos ao epíteto da fantasia: “Museu do Rock”. Com certeza, eu preferiria algo como “Museu do Amanhã”, estilo Matrix.

O que acontece hoje são exibições em paredões tipo The Wall, com material escaneado – afinal, tudo agora é muito virtual, sinal dos tempos e das demandas. Museu com cheiro e ácaro são as coleções particulares que perduram e mantêm a memória de qualquer setor cultural.

   Os recicladores de latinhas de cerveja, papel e vidro, quando têm sensibilidade e noção, mantêm, mesmo que em pequenos espaços, verdadeiros centros culturais em suas casas: quartos com CDs, livros e outras preciosidades que têm orgulho de mostrar.

   Então, o futuro do colecionismo está nas mãos dos colecionadores, dos recicladores, dos estudantes, dos fãs e dos pesquisadores.

   A transição do fã-clube para o “Museu” aconteceu já no século XXI, quando a expressão começou, aos poucos, a se popularizar. Mas nunca pretendi competir com as galerias do rock ou com os museus dedicados ao gênero que realmente existem – isso exigiria uma responsabilidade imensa. O que aconteceu por aqui foi mais orgânico, quase acidental.

Tudo começou com uma arrumação forçada. Quem disparouo gatilho foi Philippe Seabra, ao perguntar: “Você ainda tem um daqueles panfletos da Plebe Rude, que eram distribuídos na entrada dos shows?” Fui direto ao lugar onde deveria estar o meu exemplar — e nada. Naquele instante, percebi: a Seção Brasília estava completamente bagunçada.

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  Decidi fazer o translado. Organizei os escritores em ordem alfabética. E, no meio disso tudo, me refestelei ao reencontrar preciosidades: revistas como DF Letras, Escribas do SEDF, Víbora, Bric-A-Brac, Tira Prosa… e também as mais recentes, como Traços e D! Rolê. Entre os achados, estavam ainda livros de Samuel Rawet e até um folheto de teatro assinado por um tal de João Carlos de Figueiredo.

   É claro que não tenho todas as circulares do Escriba, nem todos os números das revistas. Algumas edições são apenas cópias xerocadas na raça. Tem material ali datado de 1984 – auge da pindaíba. Fiquei abismado com a qualidade do acervo reunido, que revela uma realidade cultural intensa, vibrante. Talvez a arquitetura tenha sido a primeira grande expressão cultural de Brasília — mas a literatura encontrou ali um eco criativo à altura da utopia da capital.

   Os zines, verdadeiros manifestos existenciais, hoje têm sua força atenuada pela precariedade gráfica de então, mas ainda falam alto. E há toda uma evolução visual que os flyers acompanharam — da fotocópia crua às experimentações gráficas, registrando a estética e os pulsos de cada época.

   Não sei exatamente em que estágio estamos agora. Talvez o fã-clube já seja coisa do passado, o "Museu" pertença ao presente e o futuro aponte para a criação de uma Fundação. Quem coleciona, no entanto, raramente se preocupa com esses rótulos. O que sei é que o gesto de preservar — ainda que seja apenas um acervo particular — é uma das atitudes mais ousadas e generosas que alguém pode ter.

   Por isso, não se deve pedir doações a colecionadores como se fosse algo simples. Cada item guardado carrega uma história, um afeto, uma memória. Ainda assim, estamos abertos a contribuições – e pedimos com respeito: buscamos exemplares de discos, livros, revistas, recortes de jornal, telas e materiais que sejam singulares, afetivos, com valor simbólico. Queremos compor um acervo que reflita a riqueza da cultura que vivemos.

   Nosso apelo é voltado àqueles que se identificam com a preservação do patrimônio cultural. Para 2027, estamos planejando uma grande exposição com esse material — um encontro entre o passado e o que ainda está por vir.

   Levantamento Preliminar do Acervo Literário Independente / Brasília

   Desde os tempos do mimeógrafo ao PDF, passando pelas folhas datilografadas, zines, jornais de bairro, panfletos políticos e revistas culturais, a literatura do Distrito Federal se construiu com múltiplas vozes – muitas delas ignoradas pelas editoras comerciais e instituições de prestígio. Este levantamento reúne nomes encontrados em revistas, folhetos, jornais alternativos, eventos literários e publicações marginais que compõem o acervo preservado ao longo de décadas.

   A seguir, a listagem — ainda parcial — dos autores identificados:

   A. Buchmann, Adrino Aragão, Altino Caixeta de Castro, Anand Rao, André Ferreira, André Luiz Oliveira, Andréa Capucho / Derek von Behr, Ary Pára-raios, Carlos Augusto Cacá, Celso Alcântara, Cida Carvalho, Charles Vieira, Cícero Fernandes, Cláudio Ferreira, Clayton Aguiar, Climério Ferreira, Custódia Wolney, Devin / Davi Kaus / Felipe Alves / Janine Carvalho, Denis de Araújo Ferreira, Domingos Pereira Neto, Durvalino Filho, Edson Beú, Eliéser Lucena / Cleidy BPM, Euclides de Carvalho Rios, Ezio Flávio Bazzo, Ezio Pires, Fernandes Pereira, Fernando Fonseca, Fontes Ibiapina, Francisco Morojó (Pezão), Francisco Vasconcelos, Geraldo Majela Pereira, Gustavo Dourado, Heitor Humberto de Andrade, Henrique Pereira de Oliveira, Hélio Ricardo Vidal, Hilda Mendonça da Silva / Ivonete Ferreira de Barros, Hilan Bensusan, Hilan Bensusan / Walter Menon, Isabel Cristina Corgosinho, Ivamar Pinheiro, Jeronimo Genoilton de Caldas, Joaquim Bezerra da Nóbrega, José Carlos Vieira, José Edson dos Santos, José Fernandes, José Garcia Caianno, José Hélder de Souza, José Minervino, José Sóter, José Veríssimo da Silva, Jorge Amâncio, Jucileide de Oliveira, Kléber Lima / Leila Lara, Lincon Lacerda, Lília Dinis, Lucky de Oliveira, Luis Jungmann Girafa, Luiz Paulo Pieri, M. P. Haickel, Magu Cartabranca, Manoel Cordeiro, Manoel Gomes, Márcio Catunda, Márcio Cotrim, Marcone Barros, Maria da Glória Barbosa, Maria da Glória Lima Barbosa, Maria de Lourdes Teodoro, Márcio Cotrim, Menezes y Morais, Milton Ribeiro, Minerva, Mira Alves, Moisés Paraguassu, Néio Lúcio / Kiko Guerra, Nicolas Behr, Newton Lima, Olimpio Pereira Neto, Ottavio Lourenço, Palmerinda Donato, Paulo Matricó, Paulo Siqueira, Pedro César Batista, Pedro Saulo de Souza, Rafael Fernandes de Souza, Reis de Souza, Renato Matos, Rogério Lima, Romualdo Martins de Oliveira, Ronaldo Alves Mousinho, Rosângela Vieira Rocha, Samuel Rawet, Sérgio Duboc, Sônia Maria Santos, Sylvia Orthof / Gê Orthof, Teodorico Moura, Timm Martins, Toninho de Souza, Wander Porto, Wellington Lavareda, Zé Brito / Gisele Tavares

   Você não perguntou, mas, se não achar seu zine por aqui, é porque a gente provavelmente usou pra acender a fogueira da última reunião anarquista.

   Se você tiver alguma doação em mãos, entre em contato com Mário Pazcheco pelo zap (61) 991146216

   Estamos em busca de livros de Cassiano Nunes, exemplares do jornal Ordem do Universo e discos de bandas brasilienses dos anos 60, como Os Primitivos, El-Son 7 e o LP de estreia do Mel da Terra. Também procuramos edições das revistas O Cruzeiro e Manchete que tragam matérias sobre a era Juscelino Kubitschek.

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