HEITOR VILLA-LOBOS 'BACHIANAS BRASILEIRAS'

 LOBOS

Varèse e Villa-Lobos em Paris (a barbárie e a anarquia)

Nºs. 1 e 2
Heitor Villa-Lobos
Bachianas Brasileiras
(Andrade Muricy - da Academia Brasileira de Música)


Nenhuma dentre as músicas de Villa-Lobos é de tão marcada originalidade quanto as Bachianas Brasileiras. Quem não reconhecerá o Brasil sob as alusões pré-clássicas dessas obras? O fenômeno que elas representam é aliás análogo ao do próprio Bach, que, no Concerto à Moda Italiana, não pode passar por um Vivaldi ou um Benedetto Marcello, apesar de tê-lo concebido na maneira destes mestres. Quem deixará de perceber, no "coral" das Bachianas Brasileiras nº 4, o estrídulo percutir do canto da araponga, que alarga até a infinitude a solidão sertaneja?

Villa-Lobos escrevera já muitas de suas obras mais carregadas de sua nota pessoal: os Choros, a Prole do Bebê nº 2, quando ocorreu o seu encontro com o Kantor de Leipzig. Bach? Bem comum da Humaidade, plena e livre propriedade de todos devido à própria magnitude de sua grandeza... Riqueza à disposição de quantos dela se quiserem assenhorear; terra-de-ninguém, terra-de-todos, estava disso convencido Villa-Lobos; e escreveu: "A música de Bach vem do infinito astral para infiltrar-se na terra como música folclórica...".
Adhemar Nóbrega observa: "Pode-se aceitar ou não esta explicação imaginosa, segundo a qual o Kantor de Leipzig passaria, mediante um processo telúrico, a transformar-se em sedimento folclórico universal". Afinidades? Acrescenta o mesmo musicógrafo: "de procedimentos melódicos, harmônicos e contrapontísticos...". Adiante: "E a linguagem que o gênio de Villa-Lobos engedrou sobre a amálgama de processos bachianos e seresteiros é uma das mais legítimas conquistas da música erudita brasileira". Curiosa, essa espécie de folclore, onde Villa-Lobos pôde abeberar-se; e, na universidade poderosa do máximo mestres do Barroco, buscar um corretivo para os seus excessos individualistas, ou fundações mais sólidas para o seu convulso espírito criador.

O autor das Cirandas, das Serestas, dos Choros, caMinhou, durante nove grandes obras (1930 - 1945), em companhia de J. S. Bach; algo de novo e de legítimo na Música de todos os tempos saiu desse encontro entre o sentido de incomparável monumentalidade, a profunda humanidade, o misticismo do saxão e a humanidae impetuosa e rebelde do brasileiro. As ogivas e volutas da catedral bachiana revestiram-se, então, de um timbre jamais ouvido. Saiu um Bach moreno e requeimado de trópico, elanguescido de luares seresteiros, assentando em bordões sonorosos, despedaçadores, de violão. Volutas e ogivas pré-clássicas estão ali substituídas por sinuosos coleios de lianas e cipós bravos.

Na Cantilena genial (Ária) das Bachianas nº5, p. ex., larga planura, líquida e lluminosa, pairando por sobre a mobiidade inquieta dos violoncelos, a voz abre horizontes límpidos como os das árias "Paixões e das Cantatas". O fraseado, nobre como o planejamento da estatuária grega, é repentinamente sacudido por entrecortado, angustiado "crescendo". A Cantilena grimpa nos ares, num lamento arquejante, em irresistível progressão cromática; e esse cântico deriva, afinal, da própria matriz sentimental de onde provieram a "Casinha pequena, Foi numa noite calmosa, Acorda, donzela, A Maré encheu...," da mais pura essência expressiva da alma brasileira. A mais: um toque de "estilo".


Nas Bachianas Brasileiras nº 1, a tagarelice da embolada, e os seus cantos intermédios, cheios de lirismo prestigioso, surge de gigantescos "rasgados" de violão (a orquestra de violoncelos). E mesmo tratando a forma por excelência do pré-classicismo, as Fugas (Conversas) das Bachianas nº.s 1, 7 e 8, ou a larga e libérrima polifonia das Bachianas nº. 9, essas páginas trazem o sabor e a cor do jambo maduro e das sumarentas mangas...

 

Bachianas Brasileiras n.º 1
(Marcel Beafils)

As BACHIANAS BRASILEIRAS nº 1 foram escritas para oito violoncelos. Três movimentos: Introdução, Prelúdio e Fuga dão-lhe a estrutura. Os subtítulos: precisam esse desenho. A introdução é uma "Embolada", dança fluida, sensual, agitada, cínica, zombeteira, que poderíamos aproximar por vezes da verve do "Charlatão". Daí procede o arrebatamento luminoso que a envolve no seu primeiro movimento. O prelúdio é uma "Modinha": dolente, sensual, grave e superaquecida, que seria errado avaliar de acordo com as sentimentalidades de 1900. A melancolia não mais intervém: ela respira o deslocamento particular do Branco no paraíso embriagante dos Trópicos. Desconfia-se que a Fuga, enfim, constituía ao mesmo tempo a moldura que procurava o homem dos "Choros", e o laço jogado na direção de um João Sebastião Bach tropical: afinal, a formação da primeira das BACHIANAS não deve qualquer coisa àquela do Terceiro Concerto Grande-burguês? Como os outros dos ovimentos, este recebeu um subtítulo: Conversa: a fuga é tratada em tom de conversação, o que lhe garantirá em breve a liberdade. Outras danças, "Catira", "Desafio", "Martelo", "Capoeira", "Picapau", servirão de denominação e de referência aos outros episódios das BACHIANAS. Encontraremos aí, em suma, as "Suítes", mais ou menos fantasistas, aliás; os movimentos coreográficos antigos - "Bourrées", "Sarabandas", "Gavotas" ou "Courantes" - cedem lugar a um universo exótico mais matizado, que se disciplina sem, ao mesmo tempo, se recusar à evasão, para ser, por sua vez, atraído pelo magnetismo espacial.

Bachianas Brasileiras n.º 2

O segundo número das BACHIANAS nos conduz a uma literatura meio humorístico, meio séria. O Prelúdio (O Canto do Capadócio) perfila uma figura baiana: o ocioso basbaque dessas lutas dançadas, refinadas e sinuosas, as capoerias. Nostalgias, luminosidade viva, balanços do mar compõem já uma espécie de hino. A Ária que se segue é o "Canto da nossa terra", hino, mais do que Modinha, misturado de motivos fetichistas. Assim, forma-se aos poucos uma síntese de raças e de paisagens, que desemboca na "Dança". "Lembrança do Sertão": eis a alegria transbordante das comunidades perdidas e das suas trajetórias. O elemento folclórico invocado é aqui o canto alternado primitivo, o "Desafio": folclore transcendido sempre. A toccata final acentua a nota de humor. "O Trenzinho Caipira": eis o pequeno trem nos desertos nordestinos onde o caboclo de pele bronzeada solavanca nas imensidades: a fumaça escreve talvez o nome de Bach no céu fulgurante, em meio a uma estranha soma de hino e danças a todo vapor.

 

HEITOR VILLA-LOBOS
* Rio de Janeiro 05.03.1887
+ Rio de Janeiro 17.11.1959

FONTE: ORQUESTRA DE CÃMRA "SOLISTAS DE LONDRINA"

 

Villa-Lobos em Paris


"Tudo aquilo é demoníaco ou divino, dependendo de como seja encarado. Pode-se odiar ou adorar essa música, mas é impossível permanecer indiferente. Irresistivelmente se sentirá que, dessa vez, viveu-se um grande momento" - Florent Schmitt

Em 30 de junho de 1923 Villa-Lobos viajou para Paris financiado por amigos do Rio, principalmente pelos irmãos Guinle. A intenção do compositor não era aprender com a vanguarda musical européia, e sim, mostrar seu trabalho e trocar informações. Com o apoio do pianista Arthur Rubinstein e Vera Janacópulos, famosa cantora brasileira residente em Paris, Villa-Lobos foi apresentado ao meio artístico parisiense que nessa época vivia a euforia surrealista. Andre Breton lançaria no ano seguinte o Manifesto Surrealista, o poeta Paul Éluard revolucionava a literatura e Picasso renovava os conceitos das artes plásticas.

Nos anos que se seguiram ao final da I Guerra, os artistas europeus passaram a pregar a construção de uma nova Europa que, destruída pelos bombardeios e degradada pela miséria social do pós-guerra, vivia tempos de incertezas. A idéia da arte como mera abstração de um "ideal de beleza" ou como criação individual alienada da sociedade começou a ser duramente criticada. Para a vanguarda artística européia, era urgente a criação de uma nova estética que estivesse comprometida com a revolução social, com a renovação dos valores culturais e com novas experiências criativas.

Em meio a toda essa efervescência artística, a música de Villa-Lobos foi muito bem recebida e elogiada pela crítica. Com apresentações de Vera Janacópolus, Arthur Rubinstein, João de Souza Lima e Elsie Huston, suas composições obtiveram enorme sucesso junto a músicos famosos como Paul Dukas, Edgar Varèse, Prokofiev, Andrès Segóvia e Florent Schmitt. Em 1924, o Jornal Liberté avaliou sua produção musical como "um modernismo avançado" e Villa-Lobos como "uma personalidade forte e atraente".

Devido à falta de recursos financeiros, Villa-Lobos retornou ao Brasil no final de 1924. Segundo Gerard Béhague, sua primeira viagem à Paris "serviu para confirmar o nível internacional de sua estética musical" (Heitor Villa-Lobos: The Search for Brazil's Musical Soul. p. 17)

Em 1927, Villa-Lobos retornou à Paris acompanhado de sua esposa Lucília Guimarães, a fim de realizar novos concertos e iniciar negociações com o editor Max Eschig. Novamente o maestro contou com o apoio de Arthur Rubinstein e Carlos Guinle, que financiou a primeira edição de suas peças na Casa Max Eschig, além de alugar-lhe um apartamento na Place Saint Michel. O apartamento de Villa-Lobos tornou-se ponto de referência para músicos sul-americanos e europeus. Em frequentes reuniões musicais e animadas conversas, todos se divertiam com o carisma do compositor brasileiro.

No final desse ano, dois concertos realizados na Salle Gaveau projetaram seu nome de forma definitiva no cenário musical europeu. Suas obras, na ocasião, foram apresentadas em audiência especial para o meio artístico parisiense, tendo, como intérpretes, alguns dos melhores músicos europeus: Rubinstein, Tomás Téran e Aline Van Barentzen, entre outros. Regendo ele próprio a Colonne Orchestra e o Art Choral, Villa-Lobos foi muito aplaudido. Um famoso crítico e musicólogo francês, Henry Prunières, escreveu na Revue Musicale: "É a primeira vez na Europa que se assiste a obras vindas da América do Sul; elas nos trazem a natureza, uma profusão de frutas, passáros e flores..."

 Fonte: Fundação Biblioteca Nacional - Acervo Virtual

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