MACALÉ VERSUS A BESTEIRA BRASILEIRA (1988)

Macalé versus a besteira brasileira
(Celso Araújo*)

Jards Macalé passou por BsB como um vendaval de verão. BsB não gosta de MPB, de rock, de waltz, de ópera, de tragédia, de kynema, de poiesis. BsB só se liga nas coisas, depois que a Globo der e, se a Globo não der, BsB prefere dormir em seu berço esplêndido, mesmo depois dos temporais. Porém, Macalé, com seu imenso maxilar, sua garganta de gorila e apenas um violão, fez pela música o que um vendaval pode fazer com as árvores e os objetos de uma cidade. Além das medidas, um artista que sempre esteve além das medidas, em vários momentos, construiu emblemas e estandartes sonoros agitados: de Gotham City à Jamaica, da Cantareira à Real Grandeza, de Cinema Falado Noel a Blue de Carl Perkins. BsB, se a Globo não martelar em todos os horários, não vai nada atrás de cultura, pois a cultura de Brasília é apatia e atraso. Abertura de projeto Domingo Tem, mais políca que palhaços no Circo Lar e um público de sarau literário em cidade mineira. Beirão abriu e ressitiu à monotonia da tarde, com uma superbanda mostrou sua fissura pelo forró e decolou para Macéio, onde faz a abertura de alguns shows de Alceu Valença.

Macalé nem seu zé para a falta de público. O Gran Circo Lar sofre as irradiações de algum vodu, comenta alguém. O ambiente é incômodo como um ônibus pau-de-arara, há poças de água pelo solo e, o pior de tudo, a acústica é inferior à de um circo de pulgas. Não há som que resista. No sábado, o circo lotou com o rock yuppie de Kid Abelha - também pudera! Num país que tem Macalé e prefere Kid Abelha, você pode chamar toda a sua juventude de pestalozzi e com razão. Os produtores, naturalmente, ansiosos. Pessoas mais sensíveis com a cara de perplexidade. Mas Macalé, nem macalí para o macaos. Macaqueou, macantou, maracangalhou. O público marcou. Não sabe que nesta época de consumismos o valor das produções culturais é quase sempre imediatamente inverso ao seu poder de persuasão. Macalé é um exemplo perfeito. Nesses 20 e poucos anos, é um dos compositores vivos mais inteiros e integrais, passando com elegância pelo desbunde e o desprezo, o experimental e o nostálgico. Sem se afetar. Sem fazer da música uma mentira de mercado, mas mantendo teso o arco da promessa, pesquisando e batucando na solidão, descobrindo dicções e acordes novos. Referência como ele, que liga o samba ao rock, o blues ao samba de breque, é tão fundamental pra cultura musical do País como a citação de Muddy Waters para a música norte-americana. Lembrar dos Estados Unidos em matéria de música popular é até maldade. Claro, lá o sistema capitalista não alisa e nem alicia. Mas seus grandes valores são constantemente relembrados e reavaliados. Não se comete o pecado da ignorância com a marcação oba-oba que nos caracteriza aqui.

Como é que a indústria musical brasileira pode ignorar um músico da estatura de Jards Macalé - do mesmo quilate de Luís Melodia, de Sérgio Sampaio, de Tom Zé, de Itamar Assumpção? Feras negras em nosso cenário de acrílico. A saída é a maldição, enrustida aqui ou transbordante ali, mas uma maldição que se refere ao sistema de clichês, de negações, de más vontades, de descasos em série que vão formando uma corrente de demência. Desgosto! País horroroso, país brega - só vendo mesmo como é que dói! BsBesta!

*Correio Braziliense, 22 mar. / 1988.

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