2001: Cécé, guitarrista beat

cece

Messias de Oliveira Jr, o Cécé
Ser beat é beijar o céu todos os dias... Realizar experimentações alucinógenas e extrapolar

Geração Beat - Grupo de poetas, prosadores e artistas norte-americanos que estrearam na década de 1950, com grande impacto e circulação, e ficaram conhecidos pela ousadia e pelo caráter inovador de suas obras: Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregoy Corso, Lawrence Ferlinghetti, Michael McClure, Gary Snyder e outros. Os beats inspiraram jovens a romper com o estilo de vida convencional e a procurar novos modos de expressão. Estão na origem da contracultura, dos hippies das décadas seguintes, de movimentos...

Cláudio Willer - Geração Beat

Cécé, guitarrista beat

por Mário Pazcheco


Em 1984, durante o Rock Baby, na primeira conversa social que mantive com Cécé, eu perguntei, — quem é aquela gata de cabelos pretos?

— Gostou da Sandra? — Pode ficar com ela!

Na hora fiquei sem palavras e nervosamente me desculpando...

A ficha caiu...  Cécé era desprovido de amarras e estava acima das necessidades sexuais básicas da carne.

 

Carona perigosa

Num ato de extrema gentileza Cécé me carregava pelas Asas do Plano Piloto para assistir seus ensaios. É claro que o pessoal pequeno burguês da banda ficava de cara fechada. Como explicar que ali  na 411N, na loja de ensaios, alugada pelo irmão do Cécé,  fora gravada a única fita de rolo em 4 canais  do Extremo e que havíamos participado da reforma da sala?

Nesses ensaios nascia uma nova banda que ficou na promessa Anjos e Arranjos!

Uma das lendas dos tempos de estudante de Cécé é que ele nunca pegava ônibus e nunca chegava atrasado na sala de aula, pegava caronas para encurtar o caminho.

De carona e guitarra nas mãos fomos velozmente cruzando o Parque da Cidade, de repente, Cécé disse ao motorista da carona,

— Dá pra ir mais devagar? Eu que curtia o passeio e nem estava aí, fiquei pasmo, Cécé se importava com a vida.

No meio de 1985, o Extremo conta com um novo baterista; resolvem convidar Lourenço Jr., para tocar contrabaixo, ficando Tuca somente nos vocais, agora o som está mais poderoso, um hard-rock com pinta de tudo, Purple e acontecem dois shows no Gama, parece que alguma coisa vai rolar, quando?

Tuca, o vocalista; não quer cantar certos temas e sim só metal, abandona, ou melhor; é convidado a abandonar, ficam André na bateria, Cécé na guitarra, Júnior no contrabaixo e um novo ingrediente, a percussão do Alcir. Novo choque, um som completamente diferente do antigo Liberdade Condicional e do recém finado Extremo, no princípio poucos fãs gostam do som, mas respeitam a musicalidade do grupo. Nos ensaios, muito som Still I'm sad na versão do Rainbow, You fool no one do Deep Purple e ao vivo Purple haze.. E homenagens a Jacob Pastorius.

No ano do Rock Brasília Explode Brasil

1986. Concha Acústica. Os autofalantes estão convocando o guitarrista Cécé!

Já esperavam ele com a guitarra na mão e foram colocando em seu ombro.

Cécé empinou a guitarra e puxou um longo solo totalmente CREAM... Lourenço Júnior contrabaixo e Ronaldo Gaffa na bateria foram atrás...

No palco, o apresentador  não parava de pular e insistia repetidamente  “Jam session, o melhor dos músicos...”.

“Lembro que eu tinha feito um show com o Nexo, e como parte no escuro não havia chegado ainda, falta alguém para preencher o som...
“Eu estava atrás do palco pronto para ir embora... Quando  o pessoal da produção me chamou...

“Só fui no som, nessas horas não se pensa no que está tocando... Aparecemos todos. O público gostou muito...

Ficou só na memória...” (Ronaldo Lima, baterista)

O grupo realiza ótimas apresentações por toda Brasília, finalmente algo podre começa a rolar... São convidados a participarem de um LP-coletânea... Acontecem efeitos pré-monitórios, Lourenço Júnior fica sem voz devido a uma gripe fortíssima, Alcir também tem problemas de saúde, mas mesmo assim eles seguem para Minas Gerais, para no Bemol Estúdio, gravarem as duas melhores músicas de seu curto repertório: A última floresta e Laranja mecânica, assinam contrato por dez anos para direito de edição das músicas e ficam aguardando o lançamento da coletânea "Outros Rumores" (cujas capas em papelão com o rosto de Marielle foram impressas só que o vinil nunca será prensado...).

Sonham com um mini-LP independente próprio e até esquecem que na pausa para um lanche ao voltarem para gravar observaram que seus instrumentos foram "mexidos" e desregulados. Encararam como sabotagem! De acordo, com o empresário do Sebo do Disco eles abririam o lado "A" e fechariam o lado "B".

Tiveram que tirar dinheiro do próprio bol$o para lançarem o ótimo "Inexistência Abandonada"

No Rio de Janeiro em 1987, a Liberdade Condicional dividiu o palco com a  Uns e Outros, os cariocas foram legais e emprestaram a pedaleira a Cécé que ficou ternamente agradecido.

Inexistencia

*Minha terceira crítica originalmente publicada no José (Jornal da Semana Inteira - de 17 a 23 set. / 1988).


No último sábado de abril de 1988, no Colégio Alvorada na Asa Norte, depois de uma apresentação do Liberdade Condicional eu estava passando pela roleta e lá no fundo do ônibus, Cécé já estava sentado. Após todos estes anos, ele não perdera a mania de pedir ao condutor para entrar pela porta dos fundos.

No carnaval de 1989, Cécé e Vânia Valéria recém-casados me receberam para uma carne de panela na sua casa no Guará I. A casa possuía um amplificador e uma guitarra, ele ligava e plugava e ficava tocando, algumas vezes dizia — toca aí, Mário!

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A rápida volta do Extremo para enterro do repertório

Em 1991, ano da última apresentação do Extremo, nesta apresentação final, Cécé tirou um som pesado carregado de efeitos, utilizando a pedaleira do Hiltinho, que ele havia consertado...

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Canta Gavião - Cruzeiro Velho, 30 jun. / 1991
Extremo tocou um som dos anos 70, com roupagem de 90

Outros detalhes...

Ainda em 1991,  no calçadão da QI 27, encontrei-me com Cécé levando pela coleira um beagle, um desses cachorros urbanos com longas orelhas e madeixas; Cécé estampava um óculos psicodélico indescritível e detalhe inseparável da sua psique – ele era inusitado e socialmente bem vestido – sempre magro, errático, elétrico. Outro detalhe me deixou com a pulga atrás da orelha: o cachorro também estaria usando o mesmo tipo de óculos?

— Cécé o que é isso?

— É pra ele curtir o visual!

Quando fui pai pela segunda vez, eu compreendi seu drama de abandonar os shows e correr para casa levando dois frascos com o leite do seu casal de gêmeos.

Eu gostava de pensar que pertencíamos a uma gravadora, a Mainman de David Bowie, eu era um dos homens chave do processo e ele o elemento xis!

No Guará, na QE 24. Fortuitamente encontrava Cécé no Pontekin Bar do Lincoln.

— Deixa eu tocar um blues na sua guitarrinha?

— Tocar o quê?

Não havia tempo para a resposta e Cécé debulhava um blues de Tempestade de Stevie Ray Vaughan em cima de nós.

— Cécé a guitarrinha era boa?

— Não! O amplificador!

E Cécé se mandava fumando cachimbo como um personagem de Conan Doyle!

Alguns parentes de Cécé moravam na QE 32 e de vez em quando ele me visitava aos sábados.

Às vezes eu ficava 'puto' quando Cécé me pedia que eu pagasse um conhaque; ele pagava aluguel e estava duro. Meus pais verdadeiramente gostavam dele que sempre era gentil.

Quando ele foi operado e ficou com uma enorme cicatriz na barriga, os pontos ainda estavam recentes e eu fui dar uma volta com ele de carro até a chácara.

— Vai devagar!

Mostrei uma guitarra que eu havia comprado do guitarrista Dillo D’araujo, o instrumento estava com o braço rachado e Cécé foi novamente educado e não comentou o estado da guitarra.

Quando falei a Dillo D’Araújo que o instrumento estava fodido ele me disse — Você comprou por uma pechincha.

É nisto na injustiça que dá ajudar as pessoas: ser passado para trás.

Cécé aloprou no ônibus do Tribunal. Estava proibido para sempre de cantar: — e eu encontrei a solução pro seu caso. E lhe proponho um tratamento pra você melhorar. Eu vou plantar cenouras. Na sua cabeça ...

Dizem que bebeu a água mineral do ministro e teve que se desculpar...

Como técnico de gravação do Tribunal, Cécé conhecia os problemas brasileiros...

Suas Influências literárias eram: Geração Beat e o ganhador do prêmio Nobel, o escritor norte-americano, John Steinbeck autor do livro "Boêmios Errantes" o assustador neste livro é que o personagem Danny morreria após se entregar aos mistérios do vinho.

Musicalmente, ele gostava de Neil Young...

Lendas urbanas

Renato Russo tinha seu lado generoso, lá do Rio, mandou procurar Cécé, aqui na cidade ninguém o achou... Só se lembravam de suas múltiplas afinações...

assim como Robert Johnson...

Seu instrumento é um ostinato percussivo. Sua guitarra ora acompanha a linha melódica em notas que ferem os registros mais altos. Acompanhamento e solo ao mesmo tempo, o técnico de estúdio da gravação do LP "Inexistência Abandonada" nunca havia presenciado tal performance.

Seu desempenho era plasticamente belo ao braço da guitarra como se estivesse fazendo tay chi chuan.

"descia as cordas" e explorava ao pé da letra o conceito de "metal acústico". Música indiana árabe oriental folks em escalas impressionantes.

Dedos longos e fortes

Usava todos os dedos da mão direita para fazer pestana e acordes aranhas – deslizava no braço da guitarra qualquer objeto a seu alcance de facas a galhos... Era impossível reproduzir os mesmos sons uma segunda vez. Até ele próprio se surpreendia com o som que saía...

Dedo e corda era outro de seus conceitos musicais. Mas adorava efeitos de pedais e combinações. Me explicou o que era um "clichê"... e eu passei a entender as janelas e repetições na música.

 

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1994 - 2001
Dias de rock sob o firmamento e os latidos dos cachorros e o ronco das motos a agógica pairava no ar

Fugas do Além - Dias de Rock

Cécé morou em vários pontos de Brasília e nas suas cidades satélites e Entorno do DF. Em Sobradinho, canjava com a rapaziada do RockOver (futuro Nata Violeta) elogiava à rapaziada e à aparelhagem e os amplificadores marshall.

Quando aparecia na 508S, era recebido por Renato Matos e convidado a tirar um som, eles arrumavam um violão meia boca e no final do som perguntavam quando seria o próximo ensaio? Cécé ria e fugia dessas situações o seu tempo de apresentações públicas havia passado.

1994. Domingo de futebol e de rock e euforia. O Brasil é campeão na Copa dos Estados Unidos.

Na íngreme auto-estrada de ligação às chácaras da antiga Fazenda Sucupira, os rojões, as buzinas e as bandeiras animadas dão as cores e o ritmo junino ao trânsito. O acesso ao Riacho Fundo é feito como no tempo dos militares: diminui-se a velocidade e passa-se por uma lombada enfrente a uma guarita desativada que abre caminho para o antigo baluarte militar onde agora abriga o Instituto Mental e as chácaras. Nos fundos das chácaras, antes do inchaço das cidades, havia uma imensa depressão coberta de cerrado com uma infinita panorâmica da cidade de Brasília. Esse cerrado denso dividia a fazenda da cidade pioneira do Núcleo Bandeirante. Nesse ecossistema era comum gente trilhando, crianças caçando passarinhos, motocross e fumaça.

Alguns eram atraídos pela música alta e hipnótica e ficavam ouvindo em transe o ritmo de guitarra e bateria. Em uníssono: as ondas sonoras cruzam o céu e a sombra gigante do pôr-do-sol avançava sobre o verde do vale. Um ouvinte corajoso abandona a prostração: pula a cerca de arame farpado, raramente os latidos cortam o som: — Tem gente no terreno. Em outros domingos de ritual da dança com a guitarra. Extasiado de felicidade com o massacre Cécé gritava: — Rock'n'roll é bom demais! Sem perder o pique, Ricardo Augusto Lima na bateria assentia...  A dupla   havia retornado aos dias de rock'n'roll, montando o ALÉM, um rock instrumental que evitava os transtornos das disputas e as tentativas frustradas das trajetórias do Extremo, (o trio de vizinhos que na casa dos 20 anos tocou um hard rock vibrante fazendo de Brasília, a capital do rock) e do profissional Liberdade Condicional que gravou em 1987, no Rio de Janeiro, o vinil "Inexistência Abandonada" lançado ao vivo juntamente com os Uns e Outros no Circo Voador.

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Transposto da pauta o sinal da agógica, parecia nortear suas vidas em sucessões ascendentes ou descendentes: gestações, mudanças, distâncias, ostracismo e fugas do além. Às vezes, boa parte da aparelhagem do Além era dilapidada. O transporte, a montagem e os lugares variavam em intensidade mas não as adversidades... Às vezes eles perdiam boa parte disso tudo mas reconquistavam a si mesmos e seguiam tocando e gravando enquanto as crianças cresciam. Nos sete anos de improvisos sem medidas, massacres e feedbacks de guitarra, a saga musical do Além driblou a morte algumas vezes.

A 3 mar. / 2001, depois do último domingo de blues a balada do Além encerrou-se com a baixa do boêmio errante por falência múltipla dos órgãos. Agora, para a tristeza daqueles passantes atraídos pela sua guitarra, Cécé ouve a música das esferas no além.

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Um ano depois no dia 28 de março de 2002, rolou a última apresentação no palco caminhão, o espetáculo instrumental chamava-se "Kryztoroq" e era um tributo de um ano de falecimento do guitarrista Cécé.

No palco-caminhão, nesta noite, atuaram Lya Lilith na voz, Ricardo Lima na bateria, Bruno "Lobão", Lourenço Júnior e Célio de Moraes nos contrabaixos e Rockdrigo Terra e Juca Sequela nas guitarras e outros músicos...

Foi uma despedida do caminhão e da aparelhagem. Com as recentes mudanças geopolíticas e a chegada de novos vizinhos no condomínio, tornará-se impossível fazer som naquela posição sem atrair o ódio dos vizinhos...

Em 30 anos de rock'n'roll. Cécé foi o mais generoso e fundamental guitarrista da loucura.


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