A REBELIÃO ROMÂNTICA DA JOVEM GUARDA 
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966   
 

CAPÍTULO III 

RAZÕES DO DECLÍNIO DA BOSSA NOVA 


a) A mensagem social da bossa nova 

O  "ié-ié-ié" quando chegou ao Brasil, encontrou a «bossa nova» no pleno vigor da segunda fase. Tom Jobin, Carlos Lyra, e Vinícius de Moraes eram os grandes compositores, enquanto uma dezena de intérpretes conseguia mobilizar grandes audit6rios e vender milhares de discos. Embora iniciada com «o amor, o sorriso e a flor», totalmente desvinculada de questões sociais, a «bossa nova» em determinado instante aderiu ao chamado movimento das reformas de base, tornando-se um tipo de manifestação de arte engajada. A partir desse momento, suas composições passaram a apresentar mensagens reformistas, abordando problemas nacionais e retratando aquilo que se acreditava serem os anseios populares. 

Foi a fase dos grandes espetáculos, promovidos por estudantes, dos quais participavam os artistas mais destacados da «bossa nova». Embora falando muito de povo e seus problemas, em virtude de ser uma música muito elaborada, com letras bastante intelectualizadas, a «bossa nova» não atingiu como se esperaria as camadas populares. Paradoxalmente, alcançou mais êxito na classe média, enquanto era prestigiada pelos intelectuais. 

Transformada num veículo de doutrinação, apesar do êxito que alcançava, não se corporificou em nenhum artista específico. Nara Leão, Maria Bethânia, Os Cariocas, Edú Lobo, Geraldo Vandré ou Ellis Regina todos eram aceitos como legítimos intérpretes da bossa, manifestando-se a juventude com entusiasmo quando se faziam ouvir as músicas de vanguarda, nas quais a mensagem social era mais ousada. Aplausos irrompiam nos :auditórios aos acordes de «Deus com a família», «Terra de ninguém» ou «Carcará», dando a entender que os ouvintes não se fixavam no cantor mas nas letras que satisfaziam sua oposição ao sistema vigente. A «bossa nova» não era, portanto, uma simples manifestação musical da juventude. Era, também, um movimento de rebeldia política, consciente e com objetivos bem ,definidos. A juventude, principalmente universitária, que a prestigiava tinha na «bossa nova» a interpretação musical de seus :anseios. 

Deve-se notar, contudo, que a «bossa nova» tornou-se mais ofensiva após a queda do governo Goulart e a ascensão do atua] presidente. Vinculada com os tipos de mensagens do governo anterior, a «bossa nova» demonstrou sua desaprovação aos novos -detentores do poder com a composição de músicas francamente contrárias às novas estruturas. Tutelada por intelectuais e criada por aqueles que não participaram da mudança do governo, a «bossa nova» manteve-se na oposição, desagradando com isso a classe média, responsável em grande parte pela nova situação. Nesta classe, passaram a ter livre trânsito apenas as composições tipo «Garota de Ipanema», destituídas de qualquer matiz político. Compensando a perda, a «bossa nova» conseguiu uma certa penetração nas camadas populares que visualizaram nela a oportunidade de externar seu descontentamento face às medidas econômicas do novo governo. Nesse instante, houve o êxito de «Carcará» e, embora não sendo uma bossa propriamente, surgiu o «Comedor de Gilete», com Ary Toledo. 

Fiéis ao objetivo de transmitir mensagens por intermédio da música popular, autores e intérpretes organizaram diversos shows, entre os quais se sobressaíram «Opinião» e «Arena Conta Zumbi», recebidos com entusiasmo pela maioria da juventude universitária. Nesse ínterim, o novo governo se firmou no poder, fazendo desaparecer, pouco a pouco, entre seus oponentes a esperança de uma reviravolta, arraigando-se a crença de que as atuais estruturas deverão permanecer por longo período. 

Vivendo de mensagens de reforma, a «bossa nova», então, entrou em crise, pois a nova situação - já recebida como definitiva - não favorecia mais aquele tipo de criação. Terminado o clima das euforias reformistas, esfriou o entusiasmo pela «bossa nova», pelo fato de suas mensagens se terem tornado inviáveis e não corresponderem à realidade atual. 

 

b) A música importada e o aparecimento do mito 

Nesse instante, o «ié-ié-ié» começou a substituir a bossa, descobrindo-se àquela altura que a nova manifestação musical já possuía grande prestígio entre os adolescentes. Realmente, a «bossa nova» não se preocupara em atingir o mundo dos adolescentes que, no Brasil, constitui uma parcela considerável da população. Gênero muito elaborado, não só na própria música como na letra, a «bossa nova» ficava acima da compreensão dos adolescentes que desejavam apenas um ritmo alegre. As questões sociais não estavam em suas cogitações. 

O «ié-ié-ié», enfim, os satisfez por ser uma música muito mais simples e alegre, capaz de provocar, inclusive, movimentos físicos e utilizar o seu excesso de energias. A própria letra, que se permanecesse no original funcionaria sempre como um obstáculo a uma maior adesão, não chegou a causar dificuldades. Além das simples versões, foram feitas composições nacionais que chegaram a ter mais êxito que as importadas. 

Fugindo das letras intelectualizadas da bossa, os novos autores desenvolveram temas encontrados em revistas infantis, com cuja leitura estavam acostumados. A simplicidade das letras, pràticamente sem conteúdo, agradou aos adolescentes também familiarizados com os personagens das revistas infantis, ao mesmo tempo que atingiu o interesse das próprias crianças. 

O aparecimento de Roberto Carlos, logo transformado em ídolo, imprimiu um tremendo impulso ao movimento, conquistando jovens, adultos e velhos para o «ié-ié-ié». Da ligação do cantor com uma empresa de propaganda, resultou, também, um lucrativo empreendimento comercial que movimenta uma série de produtos subsidiários de seu sucesso. 

Ao contrário do que ocorria com a bossa, os aficionados do «ié-ié-ié» escolheram Roberto Carlos como a personificação da nova manifestação musical, ao mesmo tempo, que o transformaram no seu líder e modelo, procurando imitá-lo, buscando de todos os modos uma identificação com ele. Diferenciando-se mais ainda da bossa que não se preocupara em criar novos tipos de indumentária, o «ié-ié-ié» introduziu algumas inovações, além de adotar o cabelo comprido como a nota marcante do movimento e alguns «slogans». 

Interessante assinalar-se que, pela primeira vez, a música importada adquiriu feições nacionais, tomandO-se o «ié-ié-ié» brasileiro bastante diferenciado do europeu. Isso não aconteceu com o «rock and roil», «twist» ou «hully gully», pois a música importada só fazia sucesso no Brasil, na sua versão original, interpretada pelo cantor estrangeiro. Foi a fase de «Bill Haley and His Comets», Paul Anka, Neil Sedaka, Trini Lopez e Elvis Presley, representantes de outra cultura que uma bem montada máquina publicitária conseguia impor entre a juventude. Isso já não ocorre com os «Beatles». Não obstante tenham grande aceitação entre a juventude, é o intérprete nacional Roberto Carlos quem monopoliza toda a música «ié-ié-ié». Levando-se em conta o interesse das gravadoras em promover mais a gravação estrangeira, conclui-se pela existência de fatores novos no êxito de Roberto Carlos. 

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