Solidão: apenas um blues (Zé Carlos Vieira)

Quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mais uma crônica do Zé

Apenas um blues
para eternas solidões
O assunto desta crônica não é novo, mas o problema é que ando meio deprê ultimamente. Coisa da idade,  reflexo dos anos de madrugadas insones ou excesso de blues, não sei. Mas “ando tão à flor da pele” que qualquer lua cheia me faz exagerar na poesia e no vinho.

Se o congresso mundial dos solitários fosse hoje, eu estaria lá na primeira fila. Adianto logo que é solidão boa, exercício de poeta de segunda categoria.

Em dias assim, prefiro ir para os bares sozinho, olhar pessoas, inventar personagens para um livro, um romance triste que certamente nunca publicarei. “O bar é a igreja de todos os sós”, sempre lembra Antônio Anatoly, um dark aposentado, que ainda perambula todo de preto pelas noites da cidade, como nos anos 1980. Escultor sem muito brilho, escreve haicais líricos de Leminski dentro de minúsculas caixas de presente, como se fossem caixinhas da sorte ou de anéis falsos.

Vende as miniobras poéticas em feiras de artesanato, portas de teatro e mesas de bar. É um cara fiel à sua solidão e à sua arte. Gosta de misturar o pensamento de Hegel com conhaque e discursar sobre o “esquema dialético no qual o que existe de lógico, natural, humano, e divino, oscila perpetuamente de uma tese para uma antítese, e de volta para uma síntese mais rica”.

Já seduziu muitas mulheres com frases decoradas sobre o filósofo alemão. Mas insiste em viver só. É um profissional da solidão. Pareciodo comigo...

Cleria também integra essa legião urbana de “singulares notívagos”. É um bom papo. Saca muito de história, foi do movimento estudantil, e agora se diz ex-militante de esquerda. Magoada, não gosta de discutir fatos recentes da política brasileira. Mas, logo, logo a ferida fecha e o sonho socialista ressuscita. Admiro-a quando fala da revolução russa, da utopia vermelha representada por Maiakovski: "Ressuscita-me, nem que seja porque te esperava como um poeta,/ repelindo o absurdo cotidiano!/ Ressuscita-me,/ nem que seja só por isso!/ Ressuscita-me! / Quero viver até o fim que me cabe!/ Para que o amor não seja mais escravo de casamentos, / concupiscência,/ salários". Gosto de Simone quando canta baixinho esse poema ao meu ouvido.

Outro amigo, o Raimundo Zimermam, depois de uma garrafa de Jack Daniel’s, foi curtir sua solidão assistindo a um filme — "Sin City" — numa das salas do aeroporto. Era a última sessão. Poucas pessoas estavam na sala de projeção, “umas cinco ou seis”, contou. Disse que, de tão cansado e “carinhado” pela bebida, dormiu. O filme acabou, todos foram embora, o pessoal doa serviços gerais passou, alguém apagou as luzes e Raimundo ficou esparramado numa poltrona, em sono profundo. Lá pelas duas e pouco da manhã acordou. Tudo escuro. Olhou o teto e se perguntou: “Será que morri? É aqui é a sala de espera para o céu?” Num pulo, percebeu que estava só. Gritou, assoviou, chamou por alguém… e nada.
Tentou sair, mas as portas de vidro estavam fechadas.

Lá fora, no saguão do aeroporto, a turma de limpeza fazia seu trabalho antes da chegada dos primeiros aviões. Voltou a gritar, bater na porta, mas ninguém ouvia, ninguém percebia seu desespero. Sentiu-se o personagem de "O Terminal", o filme protagonizado por Tom Hanks que conta a história de um cara que morava no aeroporto de Nova York. Com muito custo, achou a chave e se mandou. “Foi a experiência mais louca da minha vida”, disse uma noite dessas.
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