Resenha do livro: 'Menino Rei' por Adelto Gonçalves (2022)

RESENHA

Saga de um menino de Itararé: romance de esperança

Nova obra de Silas Corrêa Leite reconstitui a trajetória de um quase adolescente em busca dos seus pais perdidos

                                                                                                 Adelto Gonçalves (*)

                                                   I

Um menino de Itararé, criado pelos avós, que, quando chega à idade do entendimento, aos 15 anos, sai de casa em busca da mãe, que sumira quando ele nascera e estaria perdida nos cafundós do Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com a Bolívia, e virara missionária. Em breves palavras, este é o enredo do novo livro de Silas Corrêa Leite (1952), O menino que queria ser super-herói (Lisboa/São Paulo, Editora Primeiro Capítulo, 2022), romance infanto-juvenil que vem se juntar a uma obra já extensa que inclui publicações em outros gêneros (poesia, prosa poética, contos e romances).

Inteligente, precoce, muito ativo e sensível, o menino sabe que o sótão de sua casa guarda um segredo, e o porão também esconde coisas do passado de seus familiares. Fã de desenhos animados, de histórias em quadrinhos, e de personagens de gibis, como Super-Homem, Batman, o Homem Invisível e o Capitão Marvel, o menino, que tem o nome de Ben-Hur, precisa visitar aqueles subterrâneos, para conhecer os mistérios de sua vida, e descobrir segredos, como saber que seu pai ainda vive na mesma cidade da Itararé, mítica cidade paulista de Itararé, localizada no Estado de São Paulo “fincada às barrancas do vizinho Estado do Paraná”, que ficou famosa depois da chamada Revolução de 1930, mais um golpe civil-militar em que, desta vez, as elites dos demais Estados derrubaram as tradicionais elites paulistas e mineiras.

Itararé, antiga terra dos índios guainases e, depois, no século XVIII, ponto de descanso dos tropeiros que levavam animais do Sul para a feira de Sorocaba, ficaria famosa porque, quando Getúlio Vargas (1882-1954) partiu de trem rumo ao Rio de Janeiro, então capital federal, esperava-se que ocorresse lá uma grande batalha, que não houve porque a cidade acolheu o futuro ditador na estação ferroviária, permitindo sua entrada no Estado de São Paulo, e os militares depuseram o presidente Washington Luís (1869-1957) em 24 de outubro daquele ano e impediram a posse do presidente eleito Júlio Prestes (1882-1946).

                                               II

Neste momento, com a violência política de novo ameaçando tomar o palco iluminado do País, não deixa de ser curioso que esse pequeno herói seja oriundo daquela mítica cidade. Escrevendo em tom coloquial, o autor, embora poeta, ao optar por recuperar o passado através da prosa, precisou trilhar o caminho contrário ao da poesia, colocando o seu “eu” para fora, pois os focos de atração são os outros, ou seja, o “não-eu”, formado dos demais “eus” e da Natureza, como observou o professor Massaud Mosés (1928-2018) em A criação literária. Poesia (São Paulo, Editora Cultrix, 2003, pp. 94-95).

Dessa maneira, acompanha-se a trajetória de vida do menino que pretendia se tornar um super-herói, tal como aqueles que conhecera em sua infância, heróis de gibis, como Tarzan, Flecha Ligeira, Zorro, Batman, Homem-Aranha, Super-Homem, Príncipe Valente, Mandrake, Durango Kid, Búfalo Bill e outros. E que, afinal, tem a oportunidade de conhecer seu pai biológico, que o teria negado em seu nascimento, já que foram seus avós aqueles que assumiram legalmente a sua paternidade.

Esse encontro ocorreria numa noite, num baile à fantasia, quando ele fora ao banheiro “tirar água do joelho”, e lá deu de cara com um sujeito fantasiado de pirata Capitão Caveira, “um falso olho de vidro e uma falsa perna de pau”, que se apresentou como seu pai. Exatamente o contrário da figura que idealizara, ou seja, um paspalhão. “Que xarope, o velho. Que tipo! Claro, não era o pai ideal que esperava, tipo o Homem de Ferro, o Professor Pardal, muito menos ali, fantasia molhada de suor, nervoso, querendo falar muito mais com as mãos do que com a boca, tropeçando em verbos, errando orações, desculpas, etc. e tal (...)”.

Com isso, o leitor brasileiro, acompanhando a narração, acaba por reencontrar também um mundo que teria sido o seu da infância e da adolescência e juventude, tropeçando em frases como estas: “Cara de pau, fazendo o que não gostava, cor de burro quando foge, Ben-Hur teve que mentir e na verdade não gostava muito disso. Mas achava que era mentirinha sem maldades, vá saber. Mas, ao mesmo tempo, tinha medo de que o nariz crescesse como o do Pinóquio...”

Mais adiante, descobre-se que a verdadeira mãe do jovem, Yasmine Maruska, teria sido uma agitadora, “da pá virada, uma líder nata (...), filhinha de classe média, branquela como mandioca vassourinha descascada, que queria ser freira, que sonhava ser enfermeira no exterior, na África, num país pobre, como uma missão de ser útil, fazer o bem, servir”. Conheceria, porém, aquele tipo vulgar, “da periferia sociedade anônima, pobre aprendiz de marceneiro”, e, por descuido, acabaria ficando grávida. Sete meses depois, operada às pressas, imaginando que perdera o bebê, sem o apoio dos pais conservadores, enfrentando a depressão pós-parto, decidira fugir, aliás, sumir, ir embora de Itararé, sem destino.

   O clímax do enredo já ocorre em nossos dias, dias de facebook, blogs, sites, twitter, Orkut, redes sociais, quando o menino sai sozinho em busca da mãe nos cafundós do Brasil, numa aldeia de índios carijós, onde uma missionária de codinome de fé Brisa Maria fora vista. Lá, finalmente, encontra uma “irmã de Jesus” das Missões, sua verdadeira mãe, alguém que “conversava com as plantas, com as fronteiras das florestas”.

Por aqui se vê que este, portanto, é romance de esperança, que conta a história de um quase adolescente que busca reencontrar suas origens, numa narrativa que faz o leitor brasileiro, especialmente aqueles que hoje beiram os 60 ou 70 anos, reviver passagens, momentos, situações e personagens que ficaram lá atrás, entre eles, cantores e compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Taiguara, Lobão, Gonzaguinha, Antônio Cícero, Marina Lima e Nelson Cavaquinho, e poetas como Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, García Lorca e Walt Whitman, que povoaram os sonhos daquela geração.

                                               III

Nascido em Monte Alegre, hoje Telêmaco Borba, no Paraná, mas tendo vivido até a juventude em Itararé, Silas Corrêa Leite é poeta, romancista, letrista, professor aposentado, bibliotecário, desenhista, jornalista, resenhista, ensaísta, conselheiro diplomado em Direitos Humanos e membro da União Brasileira de Escritores (UBE), além de blogueiro e ciberpoeta.

De origem humilde, foi aprendiz de marceneiro, tendo começado a escrever aos 16 anos, época em que também começou sua vida profissional como garçom, tendo sido engraxate, boia-fria, vendedor de doce de groselha e aprendiz de marceneiro. Foi aprovado num concurso para locutor na Rádio Clube de Itararé e escreveu croniquetas para o jornal O Guarani, daquela cidade.

Em 1970, migrou para São Paulo, onde morou em pensões, cortiços, passou fome e dormiu na rua. Já empregado, formou-se em Direito e Geografia, sendo especialista em Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, além de ter cursado extensões e pós-graduações nas áreas de Educação, Filosofia, Inteligência Emocional, Jornalismo Comunitário e Literatura na Comunicação, curso este que fez na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

Nos últimos tempos, o romancista lançou também Gute-Gute, barriga experimental d (e repertório (Rio de Janeiro, Editora Autografia, 2015); Goto, a lenda do reino encantado do barqueiro noturno do Rio Itararé (Florianópolis, Clube de Autores Editora, 2013), romance pós-moderno, considerado a sua melhor obra; Tibete, de quando você não quiser ser gente, romance (Rio de Janeiro, Editora Jaguatirica, 2017); O lixeiro e o presidente (Curitiba, Kotter Editorial, 2019), romance social; Ele está no meio de nós (Curitiba, Kotter Editorial, 2018); Transpenumbra do Armagedon (São Paulo, Desconcertos Editora, 2021); Cavalos selvagens, romance imaginativo (Curitiba/Taubaté: Editora Kotter e Letra Selvagem, 2021), A Coisa: muito além do coração selvagem da vida (São Paulo, Editora Cajuína, 2021), Lampejos (Belo Horizonte, Sangre Editorial, 2019), e Favela Stories (Cotia-SP: Editora Cajuína, 2022).

Em 2018, publicou Planeta Bola – futebolices, catecismo corinthiano & acontecências (Porto Alegre, Editora Simplíssimo), que reúne croniquetas, comentários, poemas e homenagens a antigos atletas do Sport Clube Corinthians Paulista, de São Paulo. Como poeta e ficcionista, consta de mais de cem antologias, inclusive no exterior, como na Antologia Multilingue de Letteratura Contemporanea, de Treton, Itália, Christmas Anthology, de Ohio, Estados Unidos, e Revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seu texto “O estatuto do poeta” foi vertido para o espanhol, inglês, francês e russo.

            Foi vencedor do Primeiro Salão Nacional de Causos de Pescadores/USP/Jornal da Tarde/Estadão/Parceiros do Tietê; premiado no Concurso Lygia Fagundes Telles para professor e escritor, governo do Estado de SP/Gestão Gabriel Chalita/Secretaria Estadual de Educação; Prêmio Biblioteca Mário de Andrade (Poesia Sobre São Paulo), Gestão Marilena Chauí (Secretaria de Cultura de SP), Prêmio Fundação Petrobrás de Contos, curadoria Heloisa Buarque de Holanda; prêmio Simetria (Microconto) e Prêmio Instituto Piaget (Cancioneiro infanto-juvenil), ambos em Portugal.

            É autor do primeiro livro interativo da Internet, o e-book O rinoceronte de Clarice, que reúne onze ficções, cada uma com três finais, um feliz, um de tragédia e um terceiro politicamente incorreto, que virou tema de tese de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) e de doutoramento na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi finalista do Prêmio Telecom, em Portugal, em 2007.

É autor ainda, entre outros, de Porta-lapsos, poemas (São Paulo, Editora All-Print, 2005) e Campo de trigo com corvos, contos (Joinville-SC, Editora Design, 2005), obra finalista do prêmio Telecom, Portugal 2007, e O homem que virou cerveja, crônicas hilárias de um poeta boêmio (São Paulo, Giz Editorial, 2009), livro ganhador do Prêmio Valdeck Almeida de Jesus, Salvador-Bahia, 2009.

https://www.livrariaatlantico.com.br/pd-91dda9-o-menino-que-queria-ser-super-heroi-silas-correa-leite.html

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O menino que queria ser super-herói, de Silas Corrêa Leite. Lisboa/São Paulo: Editora Primeiro Capítulo, 148 páginas, 2022. E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.  

Site do autor: poetasilascorrealeite.com.br E-mail do autor: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido(Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.

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