Cabala: 40 Anos depois do AI 5!

Tom Zé Versus Caetano

Cabala: Caetano foi o grande indicado ao prêmio “Tomar no monossílabo” 40 anos depois de ser atingido pelo AI 5!

Tom Zé, em uma apresentação recente, mandou um recado forte e agressivo a Caetano Veloso. A obra de Caetano Veloso é indiscutivelmente muito importante para a cultura brasileira. Tom Zé, em minha opinião, foi extremamente justo e competente no debate que se desenrolou antes de “sentenciar”, para usar os termos de Mário Pazcheco: “Caetano, vá tomar no ...”. Pouca gente, ou ninguém, pôs tão explícita e contundentemente o dedo nessa podre ferida dos poderes ocultos e macabros que articularam, e ainda articulam em larga medida, grande parte do destino da indústria fonográfica e da canção brasileira.

Ao recomendar a Caetano uma escovação de dentes de cabeça para baixo, entretanto, nesse momento mais intenso (e final) do debate, Tom Zé foi, digamos... hummm... Como é difícil achar o termo... Ah! Sim! Tom Zé foi genial! E continuamos sem poder fechar os olhos para a incomensurável importância da obra do nobre bahiano que Tom, outro bahiano, convidou a ir lamber sabão em termos mais, hummm... Em termos mais drásticos. Kua kua kua! Existe algum problema nesses enunciados acima, aparentemente recheados de contradições? Problemas sempre existem, para onde quer que se olhe. Entretanto, a questão que desenvolvo a partir da aparente contradição acima exposta é o que irá mais interessar ao leitor, tenho certeza.

Da mesma forma que não considero competente julgar uma obra de arte sem levar em conta a biografia do autor, não considero possível que a mesma obra possa ser julgada a partir da biografia do autor. O que isso significa? Simples: mesmo que não seja possível estabelecer limites para a força de dados biográficos no decurso de uma interpretação dessa natureza, a biografia jamais poderá ser o fator determinante na apreciação crítica da arte. E acreditando nisso vou trazer alguns dados bastante curiosos sobre as relações entre Tom Zé e Caetano.

Essa questão das relações entre dados biográficos e outros mais relacionados às obras produzidos pelo artista vai me possibilitar – em uma seqüência de uns 3 artigos -- tecer significativas considerações sobre o que aconteceu, agora e ao longo das décadas, entre Tom Zé e Caetano Veloso. Tudo isso nós levará, leitor do bolso, à condição de termos algumas opiniões próprias mais razoáveis sobre a obra de um e de outro. Entrecruzando os comentários biográficos e algumas análises críticas das obras dos dois baianos, estará a questão do grupo baaino, também por muitos referidas como questão da “Máfia do dendê”.

Tom Zé abriu um show, aqui em Brasília, por ocasião da candidatura de um tal Cícero Rola à Câmera Distrital (isso aconteceu há uns 6 ou 7 anos atrás), com uma música de Raul Seixas, Maluco beleza. Em seguida (ou foi o inverso) ele cantou uma sua canção que falava de periferia, “onde Raul sempre principia”. A terceira canção foi Tropicália, de Caetano. As pessoas que estavam ali naquele galpão do Setor de Clubes para assistir à apresentação do Tom Zé foram ao delírio. Não duvido nada que Tom Zé, em algum ponto de sua jornada proto-meta-marginal pelo universo algo meio “encantuado” da canção brasileira, ainda vá se valer da preciosa obra de Caetano em suas montagens. Nesse show relativo à candidatura do Cícero Rola, Tom Zé nos presentiou com essa belíssima montagem: sua própria canção sobre Raul, a canção Maluco beleza de Raul Seixas e Tropicália de Caetano. Após essa apoteótica introdução, o espetáculo prosseguiu com Tom Zé anunciando que cantaria uma música de sua autoria cuja letra dizia “O amor é velho, velho, velho e menina”.

Somos brasileiros, todos nós técnicos de futebol e críticos de "MPB", rock, nhoc e de algumas guloseimas mais. É importante, antes de ir ao ponto "crucial" de Caetano, pensar a maneira como normalmente se pensa a arte em muitos palcos da cena da canção brasileira. Para iniciar tal perscrutação dificultosa, vou recorrer logo a um terceiro baiano, Riachão, um dos imperadores do Samba Brasileiro: “Xô chua, cada macaco no seu galho [...]”. A biografia não pode servir a propósitos completamente fora de sua alçada. Não deve ir muito além do seu galho e, muito menos, tomar conta da floresta inteira!

Com o perdão da redundância: não existe análise crítica ou tentativa de compreensão de uma dada produção artística que possa deixar de lado informações relativas à biografia dos autores em questão. Os dados biográficos, entretanto, não podem ter sua relevância amplificada e distorcida dentro da abordagem da produção de um artista. E é justamente isso que mais acontece.

Considerando tanto as opiniões descomprometidas, ou que assim querem aparentar ser, emitidas nos butecos e cafés do nosso continental Brasil, assim como os juízos emitidos por uma grande parcela dos textos de críticos profissionais, publicados em jornais, a mais comum das falácias é a atriz principal. A mais conhecida forma de “ganhar no grito” um debate: a “falácia de relevância”. E uma forma tradicional de se cometer a falácia da relevância é dar à biografia uma relevância indevida. Antes de continuar, uma pequena digressão pede espaço: quando falo de críticos profissionais, refiro-me àqueles que exercem atividade crítica remunerada, não estou falando de críticos competentes ou minimamente descentes no exercício de sua profissão. Profissional é aquele que é pago, amador é o que ama e o resto nós temos que acordar.

Quando dados biográficos são estimados em demasia na interpretação da obra de um dado autor, a coerência do julgamento vai dar com os burros n’água; e bota burros nesses dados, e bota água na boca dos nossos milhões de críticos! Se botamos as “manguinhas” da biografia de fora (pobre coitada da biografia, nunca desejou isso!) Vamos sair do chão dos juízos e acabar chafurdando nos pantanosos e fúnebres territórios do linchamento verbal. É muito importante lembrar que nós julgamos. Julgamos sim, todos nos, o tempo todo. Assim é, ou seríamos samambaiais, pepitas de Jade ou coisa do tipo. Caso venhamos a negar que julgamos e, mesmo assim, saímos por ai julgando à revelia nossa própria condição crítica-humana, acabamos por deixar o terreno do julgamento e caindo na perdição da folga, da preguiça e da irresponsabilidade mental, sociocultural, política e histórica. Não pensamos um “a”, com uso da opinião, sem emitir juízos, sem proceder a julgamentos.

E tanto é verdade o que vos digo, bolsistas leitores, que por onde ando vejo críticos. Críticos severos, muitas vezes irados, inflamados, entoando cânticos de verdade, exortando a verdade de seus juízos, enunciados e textos; todos eles assustadores senhores dos juízos relativos à arte (eles devem ter, em uma confusão dos Kants dos infernos, trocado a Crítica do juízo pelo elemento central da Crítica da razão prática, o Imperativo categórico.

Muitos destes críticos, odeiam, em primeiro lugar, a existência dos críticos. Vou ter que seguir adiante sem aprofundar essa curiosíssima peculiaridade da nossa riquíssima crítica de ocasião.

Voltando aos lugares possíveis e prováveis dos dados biográficos, evoco um terceiro baiano para a cena, Riachão, um dos imperadores do Samba Brasileiro, “Xô chuá, cada macaco no seu galho [...]”. A biografia não pode servir a propósitos completamente fora de sua alçada. Quando dados biográficos são indevidamente valorizados na interpretação da obra de um dado autor, a coerência do julgamento vai dar com os burros naqua; e bota burros nesses dados!

Ao citar passagens históricas das relações entre Tom Zé e Caetano, ao trabalhar em larga medida com trechos do texto publicado no Blog do Tom Zé por ocasião do referido embate-debate entre os dois compositores, estarei armando um cenário para falar um pouco sobre a tal ferida na qual Tom Zé meteu o dedo como ninguém. Irei tecer um texto onde, em urdidura ainda, podemos entrever já a questão da “máfia do dendê” como um dos fios mais preciosos de sua trama.

Não sou bahiano e não sei se lá há mesmo alguma forma peculiar de preguiça. Esperando ter dito ao que vim, e ao que virei, peço licença para, por hora, exercer o meu Direito à preguiça, ou Direito ao ócio, fechando aqui o primeiro artigo da minha anunciada trilogia-cutuca-dendê e louva-gênios da MPB.

!SalveS!

Sandro Alves Silveira é fotógrafo - crítico - cineasta de ótica-caótica

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