Journals: Antonioni, dublê de escritor (1990)
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Ferozes e alegres, muito alegres
Quando “elas” liberam geral ninguém segura, confira no Baile das Piranhas
Faltam apenas duas semanas para o carnaval. Por isso, prepare-se para três grandes — e irreverentes — festas que acontecerão na quadra da Aruc (Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro). Hoje, a noite é das “Piranhas”, ou melhor da “Rainha das Piranhas”. Só ver de acreditar: por trás do pisque-pisque de néon, vá duvidar do brilho. Mas há um pré-requisito. A rainha será escolhida entre os marmanjos, barbarizados com o maior requinte no estribo do salão: mexer no estojo de maquiagem da “patroa” e de usar vestido decotado.
A festa, uma das mais tradicionais do bairro azul-e-branco de Brasília, é promovida anualmente pelo Bloco de Sujos “As Piranhas do Cruzeiro”, o bloco que, nos antigos dias de folia, (e em 1960, quando moradores de vários bairros da capital reuniam-se na Avenida W-3 para assistir aos desfiles de carnaval), fazia história no Setor Comercial Sul e que no retrovisor do tempo também fazia bonito no desfile de blocos de sujos e na folia dos velhos carnavais.
Criado em 1964, o Aruc passou a abrigar oficialmente o bloco e a tradição se mantém até hoje. Eles aproveitam sua bateria e dão total apoio ao concurso “A Rainha das Piranhas”.
Quem quiser ir à festa das “Piranhas” pode usar traje civil ou fantasias (de mulher, de preferência). A quadra da Aruc situa-se no Cruzeiro Velho e a animação começa às 23h00.
Pacotão
Seis dias depois (na sexta-feira), a Aruc será o palco de outra irreverente festa: o baile do Pacotão. Quem estiver animado (às 23h00) e quiser disputar o título de destaque do suor machão 90 (e de 89), poderá fazê-lo. Não há critérios definidos. No entanto, é preferível que o candidato exiba, no mínimo, um look tipo homem-objeto. Fantasia sensual é recomendável. O julgamento será feito pelas componentes da banda do Pacotão e da Ala das Empregadas Domésticas. O show da noite é da banda Marambaia e da bateria do Pacotão. O jornalista Clébio Sá será o mestre de cerimônias.
No dia 17, sábado, mais uma inesquecível samba-ferveção. Neste dia, o que vai rolar é o grito de carnaval da Aruc, com a apresentação das musas da escola, passistas e integrantes de sua nova comissão de frente. A animação também começa às 19h30. (09 DE FEVEREIRO DE 1990)
Contos
Antonioni, dublê de escritor
Aos 78 anos (nasceu em Ferrara, 1912), Michelangelo Antonioni se recusa a viver do passado de glórias e ainda tenta realizar novos filmes. Mas os produtores não se interessam, em parte porque o último que ele fez, Identificação de Uma Mulher, em 1982, não foi exatamente um sucesso — de público, nem de crítica — e, também, porque Antonioni sofreu um derrame cerebral em 1983. Isso faz com que um novo filme com ele seja considerado um projeto de alto risco. Na ausência prolongada do Antonioni cineasta, a opção é ler o que o Antonioni escritor oferece em O Fio Perigoso das Coisas e Outras Histórias.
O próprio Antonioni não assume a definição de escritor: prefere ser o diretor que escreve. São 32 histórias — e na capa — uma advertência: ideias para possíveis filmes transmitidas como se fossem críticas com a precisão de um mestre. No cinema, Antonioni é fundamentalmente o poeta da solidão e do silêncio. Já escreveu, graças à célebre trilogia dos anos 60 (A Aventura, A Noite, O Eclipse). Nesses filmes e também em Blow Up — Confissão: Repórter, Antonioni prioriza os pequenos gestos e o encantamento recalcado sobre as pessoas e os objetos. Reletrasse esse olhar é o propósito deste livro cujos contos como o da página 19.
Sob o título Antártida, ele diz apenas: “As geleiras da Antártida caminham três milímetros por ano em direção à China. Calcular quando chegarão. Prever, num filme, o que acontecerá”. O diretor que escreve só alimenta as saudades do cineasta. (3 DE MAIO DE 1990)
Filme se distancia do conto de Philip K. Dick
Especial para a Folha
“Vingador do Futuro” tem pouco de “We Can Remember It for You Wholesale”, o conto de Philip K. Dick (1928-1982) em que foi baseado. O enredo original conta a história de um pobre coitado, Douglas Quail (Quaid, no filme), que tem uma vida monótona, e uma mulher indiferente. Nada no livro sugere o personagem de Schwarzenegger: fisico cascão, com uma carroça lixão, e com um apartamento luxuoso.
O herói da história acha recomendável à Rekall Incorporated, uma agência de implantes mentais, para que tenha um dinheirinho para tirar férias reais. Quail quer ganhar a “recordação” de ter sido uma espécie de James Bond em uma missão secreta em Marte. Quando os técnicos da Rekall começam a implantar essa memória artificial descobrem, assustados, que Quail era realmente um espião — espionagem que havia feito servindo suas ordens em Marte, contra a agência governamental disfarçada de agência de turismo que descobriu a verdade e está em seu encalço. É nesse ponto que os roteiristas — Ron Shusett, Dan O'Bannon e Gary Goldman — detonam a ficção científica.
A partir daí o filme se transforma num romance de ação em que o herói tem que descobrir o que foi que realmente aconteceu e tenta negociar com o governo. Para ele a memória falsa que implantaram, de uma monótona vida de operário meio paspalho, é pior do que não satisfazê-lo ao que os técnicos descobriram — ou seja: ele quer ser o herói mesmo que sua maior fantasia fosse uma viagem tranquila a Marte.
A fantasia que está desencadeada na mente de Quail é tão realista e convincente, que os cientistas preferem deletar sua identidade verdadeira e alimentá-lo com novas lembranças. E ele viverá, como um personagem de suas fantasias, as alienígenas ficam de fora, bem como os heróis e vilões de sempre. O que conta, no fim, são as realidades que o homem consegue viver. O conto termina, com os técnicos descobrindo que aquelas fantasias também são reais.
As falsas realidades são um tema constante na obra de Philip K. Dick. Ele próprio não acreditava no mundo em que vivia. De acordo com uma série de entrevistas publicadas em Roma (“Incontri con Philip K. Dick”, da Stampa Alternativa), o autor dizia que, depois de um choque, passou a acreditar que vivia nos tempos do Velho Testamento. Greg Rickman, que escreveu um livro sobre sua vida, diz que Dick se sentia o tempo todo monitorado por uma entidade alienígena.
Entre as ficções mais conhecidas de Dick estão “O Homem do Castelo Alto” (em que a Alemanha e o Japão vencem a guerra) e “O Caçador de Androides” (que inspirou “Blade Runner”). Em português, só o livro “A Máquina Preservadora” foi publicado.
(Rogério de Campos. 03 DE OUTUBRO DE 1990)