Leminsky a pororoca da Utopia
(Mário Pacheco)

          
 Nascimento: 1944 - Local: Curitiba - PR
     Óbito: 7 de junho de 1989 - Local: Curitiba


 

     Anos 70, proliferam as revistas literárias, Pólen (1974), Qorpo Santo, Escrita, Ficção (histórias para o prazer da leitura), Código, Navilouca (1975), Corpo Estranho (1976) e na década seguinte, Bric a Brac - publicações inspiradas pelo “subversivo” movimento concreto paulista ainda desconhecido e criado na década de 50 em São Paulo.
     1975. O escritor paranaense Leminsky um do público de poetas herdeiros do concretismo e que tinha seus poemas sintéticos e bem-humorados publicados em várias dessas revistas - finalmente edita seu livro "Catatau" (escrito a partir de 67). Uma coleção de guardanapos e outras iguarias reunindo uma pororoca iluminada a serviço de um mundo melhor.
     13 anos depois "Catatau", seria relançado constatando que apesar do esforço de seu autor “a produção cultural de hoje é pobre porque a dimensão utópica está desaparecida”.
     Leminsky, zen-anarquista idealizava uma poesia racional e plástica, como queriam os concretistas, mas com a gíria e o humor dos bares e das ruas, utilizando-se da linguagem falada pelas multidões, do português seiscentista, o jornalismo do Pasquim ao discurso joyceano, orbitando as "Galáxias" de Haroldo de Campos, buscando promover na linguagem o curso da história.
     Além de poeta, com obra curta mas significativa, Leminski fez traduções do francês, inglês, russo, japonês e até do latim. Escreveu também romances, vários ensaios sobre filosofia, religião e cultura oriental. Era excelente conferencista e se não gostasse do rumo das coisas - abandonava a mesa. Em Curitiba, era tido como um dos que ajudaram a sacudir a pasmaceira cultural e um dos mais criativos redatores que passaram pela publicidade local. Dos livros seus publicados pela Editora Brasiliense destacam-se suas poesias completas, o livro "Sol e aço" - ensaios sobre o poeta japonês Matsuo Basho, criador do gênero hai-kai, e os romances "Catatau" e "Caprichos e Relaxos". Em 1985, a Brasiliense publicou sua tradução para os únicos dois livros de John Lennon, reunidos em "Atrapalho no trabalho" e dois anos mais tarde sairia "Distraídos venceremos", que chegou a vender 20 mil exemplares. Os póstumos "La vie em close", de 1991, e "O ex-estranho", de 1996, portam poemas de despedida e versos dominados pelo sofrimento físico causado pelo álcool.
     Em 1999, generosamente, o poeta Régis Bonvicino organizou e editou o volume "Envie meu dicionário", Editora 34, com a correspondência trocada com Leminski.
     Dois anos mais tarde, o jornalista e amigo Toninho Vaz publicou a aguardada biografia de Leminsky, "O bandido que sabia latim".
     Cortejado por intelectuais e musicado por A Cor do Som, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Arnaldo Antunes, mesmo assim Leminski acabou se afundando em dry-martini, além de bocados de lirismo anticonvencional e coisas fundamentais da vida. Morreu de escrever e de cirrose hepática. Vivenciou o mesmo motivo que Torquato Neto, Ana Cristina César e Wally Salomão, a falta de interesse por parte do grande público diante da dominação do imediatismo da cultura de massa. Razões psicológicas também contribuíram para a auto-destruição: era filho de um migrante polonês com uma mulata e, apesar de se sentir orgulhoso por ambas as origens, não teve qualquer amparo e afeto dos pais. Emérito contador de piadas e falastrão, sua alegria contagiante não escondia o tom desesperado. Sobre a infância infeliz deixou este poema:

     soubesse que era assim
     não tinha nascido e nunca teria sabido ninguém nasce sabendo até que sou meio esquecido
     mas disso eu sempre me lembro

     Paulo Leminski durante sua visita a Brasília em 1984, após um almoço numa pensão na W3S,. com Ivan "Presença", Nicholas Behr e Alice Ruiz, deixou o manuscrito com o também poeta Nicholas Behr. Originalmente publicado em “Tira Prosa” a revista cultural do Feitiço Mineiro, Número 11 out. / nov. / 1998.

     claro calar
     sobre uma cidade
     sem ruínas
     Em Brasília admirei
     Não a niemeyer lei,
     admirei a vida das pessoas
     penetrando nos esquemas,
     tinta sangue no mata borrão,
     vermelho gente
     entre pedra e pedra
     pela terra a dentro
     Em Brasília, admirei
     Admirei o pequeno restaurante
     Oculto,
     Criminoso por estar fora
     Da quadra permitida
     Sim, Brasília
     Admirei o tempo
     Que já cobre de anos
     Tuas impecáveis matemáticas
     Sim, Brasília,
     O erro sim, não a lei
     Muito me admiraste,
     Muito te admirei

     Outros poemas

     a noite/ me pinga uma estrela no olho/ e passa

     o papel é curto/ viver é cumprido/ oculto ou ambíguo,/ tudo o que digo/ tem ultrasentido/ se rio de mim/      me levem a sério/ Ironia estéril?/ Vai nesse ínterim/ meu inframistério

     ameixas ame-as ou deixe-as

     pariso, novaiorquizo, moscoviteio/ sem sair do bar/ só não levanto e vou embora/
     porque há lugares que eu nem chego a madagascar

     coração PRA CIMA escrito em baixo FRÁGIL

     eu queria tanto ser um poeta maldito a massa sofrendo enquanto eu profundo medito

     eu queria tanto ser um poeta social rosto queimado pelo hálito das multidões

     em vez olha eu aqui pondo sal nesta sopa rala que mal vais dar para dois

     não discuto com o destino o que pintar eu assino: p Leminski

     o pauloleminski/ é um cachorro louco/que deve ser morto/ a pau, a pedra/ a fogo, a pique/ senão é bem    
   capaz/ o fdp/ de fazer chover/ em nosso piquenique

Outras leituras

NÃO FOSSE TANTO E ERA QUASE (1980)
CAPRICHOS E RELAXOS (1983)
Traduções
PERGUNTE AO PÓ, de John Fante - Tradução Paulo Leminski
GIACOMO JOYCE, de James Joyce;
SOL E AÇO, de Yukio Mishima;
O SUPERMACHO, de Alfred Jarry
MALONE MORRE, de Samuel Beckett
ATRAPALHO NO TRABALHO/IN HIS OWN WORDS/A SPANISH IN THE WORKS (fevereiro 1985 Lennon por Leminski)
Leminsky entremeia o texto com aparições de Joãosinho Trinta, Vanderléia e outros deixando nublada a cabeça dos fãs mais radicais de John Lennon. Editora Brasiliense.
SATYRICON
Petrônio/Traduzido diretamente do latim por Paulo Leminski. Editora Brasiliense. Março - 1986.
DISTRAÍDOS VENCEREMOS
O Departamento Editorial exigiu que esta edição extra ficasse mais humanizada. Por isso, vai aí um poema do Leminski, de um livro que “promete mexer com o pensamento, o gosto e a alma poética do Brasil”. Editora Brasiliense, (1987)
Póstumos
LA VIE EM CLOSE . (Abril 1991)
WINTERVERNO (1994)
O EX-ESTRANHO (1996)