Lee Oswald foi drogado pela CIA?
(Martin A. Lee, Robert Ranftel e Jeff Cohen)
 


Correio Braziliense, 23 jun. / 1999

     Nova Orleães. 1963. Num dia quente de verão, um jovem chegou ao escritório do promotor público assistente Edward Gillin e este lhe ofereceu uma cadeira. O rapaz preferiu ficar de pé, diante da escrivaninha. Tinha uma pergunta a fazer sobre uma droga - de que Gillin jamais ouvira falar.
     Não era uma substância comum. Essa droga - disse o jovem - ia influenciar a história social e econômica do mundo durante os próximos 200 anos. Ele queria experimentá-la. E foi isso o que o levou até Gillin. Precisava saber se ela era legal, se poderia importá-la, insistiu. E durante a maior parte daquele encontro de uma hora ele falou sobre as maravilhas da nova substância.
     Gillin permaneceu sentado, algo espantado, tentando entender a história. Quem era aquele sujeito? Que droga era essa, capaz de transformar o mundo? Qualquer droga que produzisse os resultados citados por aquela pessoa - pensou Gillin - tinha que ser ilegal.
     Também concluiu que o visitante era provavelmente um pouco louco. Sugeriu-lhe que fosse visitar um químico de Nova Orleães - a autoridade policial local naquele assunto - e enfatizou muito que consultasse um médico particular antes de qualquer coisa. O visitante se foi e Gillin jamais esteve de novo em contato com ele.
     Poucos meses mais tarde - no fim de semana de 22 de novembro, para ser exato - Gillin relembrou aquele encontro bizarro. O Presidente John F. Kennedy fora assassinado na sexta-feira, um novo presidente tomara posse duas horas depois, e, no domingo, o próprio acusado de assassinato foi morto a bala numa prisão de Dallas. Enquanto esses acontecimentos incríveis emendavam um no outro, Gillin pensou na conversa do verão anterior. Quando se tornaram conhecidos os detalhes e descrições da vida do acusado de assassinato, Gillin se deu conta de que a visita que recebera naquela tarde, em Nova Orleães, havia sido - nada mais nada menos - de Lee Harvey Oswald.
     (...) Desde então, a mente de Lee Harvey Oswald tem sido um terreno aberto à exploração de historiadores, psicólogos e teóricos de conspirações, que especularam sobre todos os motivos e complôs capazes de explicar que papel ele teria desempenhado na morte do presidente. Ora descrito como assassino, ora como bode expiatório, louco solitário, conspirador, marxista desorientado ou agente da CIA, Oswald jamais foi rotulado de drogado.
     Gillin convocou o FBI no mesmo dia em que Oswald foi assassinado. Disse-lhes acreditar que Oswald estivesse usando drogas estranhas. Mas o FBI não pareceu interessado e a pista da droga jamais foi seguida.
     Se a Comissão Warren houvesse decidido investigar a conexão psicodélica, o mais lógico seria começar perguntando se Oswald era um usuário e, em caso afirmativo, onde conseguia suas drogas. Hoje, há boas razões para se acreditar que Oswald tomava alucinógenos, numa época em que a Cia os distribuía. A tentação para ligar esses dois fatos exige que se examinem dois relacionamentos: entre a Cia e as drogas e entre Oswald e a CIA.
     A CIA começou a fazer experiências com LSD durante o Projeto Alcachofra, um programa extenso sobre comportamento controlado, iniciado em 1951. O Projeto Alcachofra visava basicamente desenvolver métodos pouco ortodoxos de interrogatório: entre eles, a narco-hipnose e uma combinação de várias substâncias químicas que, devidamente receitada, impele o indivíduo a um estado semiconsciente, que a Cia chamava de Zona Crepuscular.
     Após vários anos, a agência não encontrou um método de interrogatório capaz de garantir que um paciente recalcitrante fizesse confissões sensacionais. Isto levou a CIA a acelerar suas pesquisas em torno do soro da verdade. Foi durante essa experiência que os cientistas da agência de informações travaram conhecimento com o LSD. Os primeiros relatórios pareciam promissores. Um documento dizia que “experimentalmente o LSD tem sido usado em interrogatórios e mostrou-se notavelmente bem-sucedido”. Outro memorando proclamava inequivocamente que o ácido lisérgico era “mais bem adaptado que as drogas conhecidas, tanto ao interrogatório de prisioneiros quanto ao uso contra soldados e civis”.
     Ou, pelo menos, eles assim pensavam. Experiências posteriores mostraram que o LSD não é um agente seguro para induzir alguém a falar. Informações precisas nem sempre podiam ser obtidas de uma pessoa que tomou ácido, porque a droga causa grande ansiedade e a perda do contato com a realidade.
     Mas isto não intimidou a CIA, fascinada pelo LSD. Se não correspondesse ao seu potencial como soro da verdade, os cientistas do Projeto Alcachofra simplesmente adaptariam os métodos de interrogatório, de modo a se adequarem às possibilidades longínquas daquela substância singular. E o LSD abriu frente para métodos totalmente novos de interrogatório.
     Frequentemente, o indivíduo recebia em segredo uma dose de ácido e, assim que os efeitos se definiam, eles diziam-lhe que, se não confessasse, ficaria viajando indefinidamente. Essa tática teve êxito.
     Os interrogatórios de espiões inimigos com LSD atingiram o auge em meados dos anos 50 e prosseguiram no início do decênio seguinte.
     O ácido mostrou-se útil para outras finalidades da CIA, também. A fim de lançar descrédito sobre políticos socialistas ou de tendências esquerdistas em outros países, a Cia servia pequenas doses a pacientes involuntários, de modo a tornar seu comportamento incoerente e a constrangê-los em aparições públicas. (A CIA negou ter usado golpes sujos desse tipo em política interna).
      A experiência do órgão com o ácido assumiu dimensões maiores e mais extravagantes sob o supersecreto programa MK Ultra, que consistia de 149 projetos diferentes. MK Ultra foi uma das operações mais secretas realizadas pelos serviços americanos de informações. Além de drogas alucinógenas, o MK Ultra compreendia todas as técnicas possíveis de controle mental: hipnose, privação dos sentidos, eletrochoques, percepção extrasensorial, lobotomia, projeções subliminares, sono induzido e milhares de drogas diferentes. A CIA empregava centenas de universitários e especialistas em comportamento para decifrar o código secreto da mente humana, a fim de controlá-la. Esse programa de muitos milhões de dólares estendeu-se literalmente por todo o globo.
     Um lugar em especial merece observação cuidadosa: Atsugi, no Japão, foi a base da CIA no Extremo Oriente. Sua localização era particularmente estratégica, naquele tempo que representou um intervalo entre as guerras da Coréia e do Vietnã. A presença da CIA na base aeronaval de Atsugi não é novidade (os aviões-espiões U2 que sobrevoavam a Rússia e a China decolavam de Atsugi).
     Somente na década de 80 foi dado a público um aspecto importante de suas atividades: desde o início da década de 50, Atsugi funcionou como um dos dois postos estrangeiros onde a CIA realizava intensivas experiências com LSD. Um memorando de 1953 comunicava que LSD estava sendo armazenado nos postos da CIA em Manila e Atsugi, e que estava em cogitações o seu uso na Europa como instrumento de interrogatórios especiais. Além daquelas sessões, a droga era usada experimentalmente nos próprios militares. Os testes prosseguiram durante toda a década da Guerra Fria, até o início dos anos 60. Um fuzileiro naval veterano que participou das experiências em Atsugi conta como dois agentes graduados da CIA lhe deram várias drogas e, aparentemente, tentaram recrutá-lo para trabalhar com a CIA: “O cara disse: ‘A gente só quer ver como você reage, para ser espião. Você não gostaria de estar informado sobre todas as drogas existentes que mexem com a mente?’ Eles queriam descobrir até onde eu aguentava, sob pressão. Por exemplo, se um agente da KGB atirasse um comprimido de ácido no meu copo? Era muito esquisito. Eu tinha 18 anos, andava atrás de todas as prostitutas locais e aqueles caras da Cia pagavam o que eu bebia, pagavam as prostitutas e me davam bebidas com uma porção de drogas estranhas dentro”. Uma dessas drogas era LSD. O ex-fuzileiro prossegue: “Todas as sombras começavam a se mexer. Estávamos num bar... Havia samurais por toda a parte, eu começava a ver esqueletos e coisas do gênero. Minha cabeça começava a ferver, ia a mil quilômetros por minuto”.
     Além de LSD, o fuzileiro em Atsugi recebeu mescalina, pentotal (o anestésico hipnótico conhecido como soro da verdade), calmantes e estimulantes. “Claro que algumas velhinhas americanas vão ficar surpresas quando souberem que drogas ilegais como heroína e LSD era usadas abertamente por agentes do governo”, continua o ex-marinheiro, “mas é a pura verdade”.
     Se for, é importante mencionar que em Atsugi estava também, naquela época, outro jovem fuzileiro naval chamado Lee Harvey Oswald. Aliás, Oswald serviu exatamente na mesma unidade do entrevistado.
     (...) A carreira de Oswald como fuzileiro naval foi, numa palavra, estranha. Um dia, ele se baleou no braço, no que parece ter sido uma tênue tentativa de suicídio, e não o acidente alegado. Seus colegas acharam, na época, que fosse um pretexto para deixá-lo no Japão quando a unidade fosse transferida. No relatório oficial, Oswald feriu-se com uma bala calibre 45 do revólver que usava em serviço. Mais tarde, esse calibre foi retificado para 22. Noutra ocasião, Oswald montava guarda e ouviram-se disparos. Ele foi encontrado sentado no chão, petrificado, balbuciando sem nexo, falando do que acabara de ver entre os arbustos. Seus companheiros ainda não estavam familiarizados com o que, nos anos 60, ficou conhecido como uma bad trip.
     Levaram-no de volta para o catre e puseram-no para dormir.
     (...) Em setembro de 1959, ele requereu e recebeu baixa do corpo de fuzileiros. Viajou - com dinheiro de origem ignorada e por meios não explicados - para a URSS, onde imediatamente compareceu à Embaixada americana para confessar que ia mudar de país e entregar segredos militares aos soviéticos. A mudança de fuzileiro para moscovita foi súbita e dramática. Deixou quase todo mundo intrigado. A única exceção foi a mãe de Oswald, Marguerite, uma mulher à frente de sua época, que explicou (em 1960) que seu filho era espião do governo americano.
     (...) Se Oswald foi mandado para Rússia como um pseudo-desertor, a fim de desempenhar alguma missão secreta para os Estados Unidos (exatamente o que os russos suspeitavam, desde o início), é bem possível que ele tivesse tomado LSD como parte do treinamento. Um longo documento da CIA intitulado Drogas da Verdade em Interrogatórios revela a predileção do órgão por aplicações de LSD em agentes destinados a missões perigosas no estrangeiro. A CIA achava que os russos poderiam estar usando LSD em interrogatórios, ou como instrumento de lavagem cerebral. Um serviço de informações inimigo, dizia o relatório, poderia usar LSD “para produzir angústia ou terror em pacientes medicamente incapazes de distinguir entre a psicose induzida por droga e a loucura de verdade”. O relatório prossegue: “Um agente esclarecido” (isto é, alguém que tivesse viajado antes e portanto estivesse familiarizado com os efeitos do LSD) não se assustaria, “sabendo que os efeitos desses alucinógenos são provisórios em indivíduos normais”. O problema é: seria Oswald um “agente esclarecido”?
     (...) Quando os soviéticos lhe disseram que iam devolvê-lo aos Estados Unidos, Oswald tentou cortar os pulsos - outra tentativa malograda de suicídio.
     (...) A Comissão Warren desconfiou da tentativa de suicídio e pediu à CIA um resumo sobre a última palavra em matéria de controle mental. Richard Helms, chefe das operações secretas da CIA, concluiu que, embora os soviéticos estivessem estudando drogas como LSD para possível uso clandestino, não havia prova de que Oswald tivesse sofrido uma lavagem cerebral. Em junho de 1964, Helms escreveu, num memorando “As pesquisas soviéticas em farmacologia estão cinco anos atrás das que fazemos no Ocidente. Não há prova de que eles possuam alguma droga nova poderosa, nem de que tenha habilidade especial para usar essas drogas e obrigar um indivíduo a tomar um determinado curso de ação”. (Mais tarde, no mesmo ano, Helms exortou a CIA, em caráter particular, a prosseguir nos testes com LSD e substâncias congêneres com pacientes não-voluntários, a fim de “ficar passo a passo com os soviéticos nesse terreno”.)
     (...) Foi nesse cenário de conspirações secretas e conivência CIA/Máfia que Oswald voltou para os Estados Unidos, em junho de 1962. O conhecimento e o entusiasmo da CIA pelas drogas atingira, inclusive o LSD, eram usadas regularmente em interrogatórios de desertores, de supostos agentes duplos e outros. Oswald parecia ser um candidato prioritário para esse tipo de interrogatório, em vista das circunstâncias de seu afastamento e do caráter súbito de sua volta. Mas não há nenhum indício de que a CIA ou qualquer outro serviço tenha entrado em contato à sua chegada. (O Departamento de Estado até lhe emprestou 435 dólares para retornar aos Estados Unidos).

     (...) Seu casamento estava longe do ideal. Marina o via sempre no mundo da lua: “Lee não gostar Rússia, Lee não gostar América, Lee gostar Lua”, ela comentou uma vez. Isto nos traz de volta ao dia em que o promotor público assistente de Nova Orleães, Edward Gillin, recebeu a estranha visita de um jovem que apregoava as virtudes das drogas psicodélicas. O FBI não admite a certeza de Gillin, ao identificar Oswald, porque Gillin era extremamente míope e portanto incapaz de identificar alguém. Mas, justamente por causa de sua visão precária, ele aperfeiçoara muito a percepção da voz humana como meio de identificação. E quando ouviu a voz de Oswald no rádio, reconheceu-a imediatamente. Segundo ele, o visitante referiu-se insistentemente a um escritor cujos livros sobre drogas descreviam o admirável mundo novo que ele, o visitante, também havia visto. O FBI, na sua miopia literária, registrou o nome do escritor como Hucksley. Mas Hucksley, evidentemente, não pode ser outro senão Aldous Huxley, o autor de As Portas da Percepção, o manifesto da consciência psicodélica. Aparentemente, Huxley era ignorado pelo FBI - o que não surpreende. (Quando lhe disseram em 1964 que Jean-Paul Sartre pedira uma nova investigação do assassinato de Kennedy, J. Edgar Hoover logo mandou um memorando: “Descubram quem é Sartre.”). Num lapso freudiano demais para ser verossímil, os memorandos do FBI se referem a Admirável Mundo Novo, o romance pessimista de Huxley sobre uma sociedade totalitária controlada por drogas, como Esse Grande Mundo.
     Em vista da miopia de Gillin e da cegueira do FBI em relação a Hucksley, não surpreende que a investigação não tenha chegado a nenhuma conclusão. Bastava, no entanto, ao FBI reler seus próprios arquivos, para descobrir que, no verão de 1963, Lee Harvey Oswald retirou livros emprestados da Biblioteca Pública de Nova Orleães. Vários de Aldous Huxley.
     Vinte anos depois, Edward Gillin era juiz de um tribunal de menores. Ele relembra a conversa como se tivesse acontecido ontem: “Ele queria uma droga que lhe abrisse os olhos, sabe? Expansão mental... Só se pode sentir curiosidade em torno de um sujeito que entra na sala da promotoria, pergunta se uma droga é legal e fala de um livro de Aldous Huxley”.
     Em setembro de 1963, Oswald pediu um visto para ir ao México.
(...) Por que teria Oswald ido ao México?
     Talvez, não recebendo ajuda da promotoria de Nova Orleães, ele quisesse procurar drogas. George de Mohrenschildt fora frequentemente ao México. Suas histórias talvez o tivessem convencido a fazer o mesmo. (de Mohrenschildt cometeu suicídio em 1977, pouco antes da data em que ia depor ante o Congresso americano). Com o visto na mão, Oswald foi à biblioteca apanhar mais livros de Huxley e alguns de Ian Fleming. E logo pegou o ônibus em direção à cidade do México. O que ele fez lá na última semana de setembro jamais ficou inteiramente esclarecido. Alega-se que ele entrou em contato com as Embaixadas soviética ou cubana. Relata-se que ele foi a várias universidades e a uma festa com gente envolvida em experiências pioneiras com LSD. Mas a pista de Oswald é muito fria para se saber hoje no que ele pensava. Talvez os livros que lia fossem as melhores chaves para a finalidade de sua viagem: espionagem e expansão da mente. Seja como for, ele logo voltou para os Estados Unidos, para Dallas e para o seu lugar na história.
     No dia 22 de novembro de 1963, o governo Kennedy acabou subitamente. Naquele mesmo dia, em seu leito de morte, Aldous Huxley, tomado pelo câncer, ingeriu uma superdose de LSD e morreu... viajando. Mas a pergunta permanece: Lee Harvey Oswald tomava ácido? O promotor assistente de Nova Orleães diz que sim. O FBI diz que não. Oswald teve muitas oportunidades para se familiarizar com os alucinógenos: através da CIA em Atsugi, ou através de seus contatos com o submundo e com os serviços de informação. Pode-se alegar que a vida de Oswald foi pontilhada de armadilhas psicodélicas. Era quase impossível passar sem cair numa trip. Por outro lado, o assassinato do presidente foi um tiro dado através das árvores contra um alvo em movimento - façanha que até hoje ninguém repetiu. Se Oswald vivesse para contar a história, saberíamos se ele realmente fez tudo isso. Não foi o que aconteceu. Pela televisão, os americanos, petrificados, viram Oswald ser assassinado por um gangster. Anos mais tarde, quando uma geração inteira de jovens parecia estar dopada, George de Mohrenschildt elogiou o amigo: “Não importa o que digam, Lee Harvey Oswald era um sujeito ótimo. Eles o transformaram num idiota, mas na verdade ele era espertíssimo. Para ser franco, à frente de sua época. Uma espécie de hippie daqueles tempos... E uma coisa eu digo: tenho certeza de que ele não matou o presidente”.