Um zine chamado 'Sleeping Village Sabbath Rock Club' (1983-1985)

Dedicado aos guitarrista Vladimir Soares, Heleno 'Sabbath' e Daniel Mattos e aos vocalista Alcebíades Campbell e Henrique Behr (Alemão) e aos zineiros Rolldão Rock Halen e Révero Frank
fãs daqueles tempos de zine, que ainda guarda boas lembranças daquela era em que o papel xerocado carregava a alma do rock.

Vamos aos fatos, antes que eles se percam.
O Black Sabbath estampou a capa do zine Jornal do Rock nº 6, edição de maio/junho de 1983. Ainda nesse ano, nascia o Sleeping Village – Sabbath Rock Club, nosso próprio fanzine dedicado à maior banda de heavy metal de todos os tempos: Ozzy Osbourne: o feiticeiro vodu do ritmo do diabo

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O número 3 do zine saiu em março de 1984. O Volume IV veio no trimestre de junho/julho/agosto de 1984. O número 5 saiu em setembro/outubro/novembro de 1984. E, finalmente, o número 6 – este da foto — chegou em janeiro/fevereiro/março de 1985. As edições variavam entre finas e calhamaços xerocados. Quando atrasava, o jeito era lançar uma edição grossa, caprichada, cheia de traduções, recortes e matérias feitas na unha. Estávamos no auge.

No início de 1985, fui a São Paulo conhecer Guilherme “Iommi”, o grande colaborador do Sleeping Village. Durante o Rock in Rio, no Rio de Janeiro, ele conseguiu dois autógrafos do Ozzy: um em um livro de fotos e outro em um papel de caderno. Pedi a ele que me desse esse segundo autógrafo. Ele respondeu: “Não!”

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Naquela época, isso me doeu como uma facada – mais uma desilusão silenciosa. Fiquei quieto. Mas por dentro, decidi encerrar o zine após o número 6. Entre 1985 e 1989, continuei produzindo fanzines, cada vez mais radicais. Até que um dia, falei: "Agora serão livros."

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Tony Iommi em destaque como 'The Godfather of Heavy Metal

Nunca mais tive notícias do informado e dedicado Guilherme “Iommi” (SP). Apesar do sucesso, o fim do Sleeping Village também veio pela falta de participação dos fãs do Sabbath de Sobradinho. E, para piorar, ainda surgiu um deles — conhecido como “Nem Sabbath” – dizendo que a vida toda estávamos errados, que o nome do guitarrista era, na verdade, “Lommi” (!). Diante disso, para não dar um tiro na cabeça, tirei o cavalo da chuva.

Finalmente, em setembro de 1985, saiu o último tributo ao Black Sabbath: o número 7.
Um número cabalístico, carregado de significado, e aprimorado em todas as visões possíveis. Foi uma edição especial, feita com mais cuidado, como se fosse uma despedida ritual.

Esse último número veio após uma edição dedicada aos Yardbirds, onde eu, de certa forma, me reconciliava com o rock dos anos 60 – uma volta às origens, um aceno ao passado que ajudou a moldar todo o som pesado que viria depois:

Ozzy Osbourne: Pecado após pecado

Entre 1981 e 1985, enquanto explodia a chamada New Wave of British Heavy Metal, gostar de Ozzy Osbourne soava como um paradoxo.
Naquela época – e eu acho que o único disco dessa nova onda que chegou aqui em tempo real foi o Bomber, do Motörhead, ainda em 1979 –, Ozzy ainda era “curtido” por muitos roqueiros mais velhos, mais ligados ao hard rock setentista. Ainda assim, havia uma pequena dissidência, da qual eu fazia parte, que não só respeitava, mas amava aquele homem louco do rock. Amava tanto que criei um fã-clube dedicado a ele – o que era completamente na contramão, já que Ozzy era, afinal, uma estrela dos anos 70.

Enquanto a geração um pouco mais jovem idolatrava Kiss, Scorpions, Iron Maiden, Judas Priest, Def Leppard, AC/DC e até outros nomes como Krokus e Picture, eu cravava meu pé na era Sabbath com Ozzy e, mais ainda, na sua carreira solo. Isso incomodava muita gente. Ozzy era visto como um exagero, uma caricatura – o “comedor de pombos” que apareceu na TV durante o Rock in Rio. Aquilo causava espanto nos pais e alimentava o velho discurso do pânico moral: “seguidores de Satanás”, diziam. A barra era heavy, literalmente.

Essa resistência, essa escolha por um caminho alternativo, ficou impressa nos zines que produzi – cada um com formato diferente, feito nas máquinas de xerox disponíveis na época. Infelizmente, hoje essas publicações não podem ser reimpressas da mesma forma: os tamanhos dos equipamentos mudaram, e as folhas, colagens e dobras já não se encaixam mais.

Lamento pelos fãs mais jovens, que jamais poderão folhear esses zines.
Eram um barato – direto da alma, agora perdidos para sempre.