Relato Verdadeiro de uma conversa com o sol em Fire Island

RELATO VERDADEIRO DE UMA CONVERSA COM O SOL EM FIRE ISLAND*

 Frank O’Hara - Tradução RODRIGO GARCIA LOPES


O Sol me acordou esta manhã em alto

E bom som, “Ei! Há quinze minutos

estou tentando te acordar.

Não seja grosso, você é só o segundo poeta

Que escolhi pra falar tão pessoalmente

então

por que você não é mais atencioso? Se eu pudesse

te queimar pela janela eu te faria

levantar. Não posso ficar na área

o dia todo”.

“Desculpa, sol, fiquei

acordado até tarde falando com Hal”.

“Quando acordei o Maiakóvski ele foi

bem mais pontual”, disse o Sol

com petulância. “A maioria das pessoas

já acorda querendo ver se vou

dar o ar da minha graça

Tentei

me desculpar “Senti sua falta, ontem”.

“Ah, está melhorando”, o Sol falou. “Achei

que você não viria aqui fora” “Você deve

estar pensando porque cheguei juntinho assim”?

“É”, eu disse, já começando a ficar todo quente

pensando se ele não estaria metendo fogo em mim

no fim das contas.

“Sendo franco, cara, queria dizer que

gosto da sua poesia. Vejo um monte

de coisas por aí e você até que não é mal. Pode não ser

a coisa mais importante sobre a terra, mas

você é diferente. Agora, já ouvi as pessoas dizerem

que você é maluco, eles sendo excessivamente

tranquilos pro meu gosto, e outros poetas loucos te acham

um chato reaça. Eu não.

Continue mandando ver

Faça como eu não dê bola. Você vai perceber

que as pessoas sempre reclamam

do clima, sempre está quente ou frio

demais, escuro ou claro demais, dias

curtos ou longos demais.

Se você fica sem aparecer um dia

já acham que você é preguiçoso ou morreu.

Continue nesse pique, eu curto.

E não se preocupe com sua linhagem

poética ou natural. O sol brilha sobre

a selva, tá ligado?, sobre a tundra,

O mar, o gueto. Onde quer que você estivesse

Eu já sabia e via você se movendo. Estava te esperando

Pra começar a trabalhar.

E agora que você

 

está tirando os dias pra si, digamos,

mesmo que ninguém te leia a não ser eu,

não precisa ficar deprimido. Nem todo mundo

é capaz de olhar pra cima, nem mesmo pra mim. Machuca

Os olhos deles”.

“Ai ai, Sol estou tão agradecido!”

 

“Não há de quê e lembre-se que estou de olho. Pra mim é

mais fácil conversar daqui de

fora. Não sou obrigado a deslizar entre os prédios

até seu ouvido

Sei do seu amor por Manhattan, mas

você devia olhar pra mim mais vezes.

E sempre

abrace as coisas, pessoas a terra céu

estrelas, como eu, livremente e com

um conveniente senso de espaço. Essa é sua

inclinação, conhecida no céu

e que você seguiria até o inferno, se preciso,

o que eu duvido.

 

Talvez nos falemos

na África, que eu também gosto

especialmente. Agora volte e durma,

Frank, e que eu possa deixar de despedida

um poeminha nessa sua cabeça”.

“Sol, não vai não!”, eu acordei

enfim. “Não, preciso ir, eles estão

me chamando”.

“Eles quem?”

O Sol se ergueu e disse “Um

 

dia desses você vai saber. Estão te chamando

Também”. Sombrio, o sol se levantou, e adormeci.

 

*Depois de sua morte, o amigo e poeta Kenneth Koch foi até a casa de O’Hara e encontrou, entre suas coisas, inédito, este que é um de seus poemas mais belos e famosos. “Relato” dialoga com o famoso poema de Maiakovski (ver tradução dos irmãos Campos e Boris Schnaidermann em Poesia Russa Moderna editora Perspectiva). Ironicamente, o poema foi escrito oito anos antes de sua morte, perto da praia onde o poeta seria atropelado.

** Frank O’Hara (1926-1966) um dos principais poetas norte-americanos do século 20, foi crítico de arte, curador do Museu de Arde Moderna e figura-chave da cena artística nova-iorquina. Escreveu Lunch Poems (City Lights), Art Chronicles: 1954-1966 (George Braziller, 1975), e o póstumo The Collected Poems, 1972), entre outros

Originalmente publicado na revista COYOTE, Londrina Primavera 2003 N. 7