Inteligência Artificial e Jornalismo: Inimigas ou Aliadas? (2025)

Inteligência Artificial e Jornalismo: Inimigas ou Aliadas?

A recente reportagem publicada por O Globo sobre o uso indevido de conteúdo jornalístico por ferramentas de inteligência artificial, como o ChatGPT, acende um alerta necessário, mas também revela o quão complexo e ainda mal compreendido é o debate sobre IA, acesso à informação e direitos autorais.

Segundo o jornal, sistemas de IA têm sido capazes de entregar aos usuários resumos detalhados, trechos parafraseados e até partes literais de reportagens protegidas por paywall, o que poderia configurar violação de direitos autorais. Especialistas ouvidos pela matéria apontam para uma “apropriação indevida de propriedade intelectual” e defendem a criação urgente de marcos regulatórios. Até aqui, nada mais justo — o jornalismo profissional, especialmente o investigativo, é caro e precisa ser remunerado de forma justa para sobreviver.

No entanto, é fundamental distinguir entre dois momentos distintos da ação da IA: o treinamento dos modelos e a geração de respostas em tempo real. No primeiro caso, se conteúdos protegidos por paywall foram usados sem autorização no treinamento, há, sim, uma infração clara. Já no segundo, o problema é mais técnico e exige cautela: nem todas as ferramentas têm acesso direto à internet ou aos conteúdos em tempo real — e nem sempre as respostas reproduzem ipsis litteris o texto original.

Além disso, o que está em jogo é a definição do que constitui “uso justo”. Em países como os Estados Unidos, há o princípio do fair use, que permite o uso limitado de trechos de obras para fins educacionais, críticos ou informativos. No Brasil, no entanto, a legislação autoral é mais restritiva, e mesmo a reprodução parcial, sem autorização, pode ser enquadrada como infração.

O fato é que estamos diante de uma zona cinzenta: o avanço da IA desafia estruturas jurídicas construídas para uma realidade anterior à internet, quanto mais à inteligência artificial generativa. A resposta, portanto, não deve vir nem do pânico, nem da permissividade total, mas do diálogo regulatório transparente entre empresas de tecnologia, veículos de comunicação, juristas e sociedade civil.

O jornalismo precisa ser valorizado, mas também é necessário reconhecer que a inteligência artificial, se bem regulada, pode ser uma aliada poderosa na democratização do acesso ao conhecimento e na disseminação de informação de qualidade — especialmente se houver remuneração justa, respeito à autoria e transparência no uso dos dados.

O que não podemos permitir é que a defesa legítima da imprensa profissional se transforme em censura ao uso razoável da informação ou que se crie um pânico generalizado que paralise os avanços tecnológicos. A IA está aqui para ficar. Cabe a nós definir como ela pode conviver com a democracia, a ética e o direito à informação.