ANDY WARHOL: A FAMA COMO CULTO E IMPOSTURA

 

Andy Warhol: a fama como culto e impostura

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Por Ronald Augusto - http://www.sul21.com.br/jornal/andy-warhol-a-fama-como-culto-e-impostura/

22 ago. / 2016 - Donald Kuspit abre o capítulo 5 (“Fame as the cure-all: The Charisma of Cynicism – Andy Warhol”) da obra The Cult of the Avant-Garde Artist (1993), com três epígrafes, e em uma delas há um comentário do próprio Andy Warhol em que se lê a seguinte afirmação: “Nos dias atuais se você é um trapaceiro/impostor, ainda assim você estará por cima” ou, como prefiro ler, “Nos dias atuais se você é um impostor, por isso mesmo você estará por cima”. A epígrafe se mostra importante por colocar já de início a noção de cinismo ou de culto à trapaça na arte de Warhol. Ao longo de sua análise, Kuspit relaciona essa senha paratextual à arte perversa de Warhol que, de resto, opera uma manipulação da ânsia contemporânea pela fama como cura para tudo (panaceia).

Num primeiro momento de sua análise Donald Kuspit parece admitir que Warhol se relaciona com a fama de um modo fetichista, isto é, segundo o crítico, Warhol acreditaria supersticiosamente na fama, pois de algum modo, no entender do artista, ela poderia afastá-lo do sentimento do nada ou da sensação de ser nada que o angustiava. Talvez por isso mesmo, pondera Kuspit, a decisão pelo enfrentamento irônico da fama, passada a fase supersticiosa, fez com que Warhol se libertasse dela enquanto panaceia.

Warhol foi uma espécie de Midas negativo, pois se vingou do sentimento de ser nada pressuposto nas condições em que a fama se impõe, transformando tudo o que tocava em nada. Para Kuspit, Warhol usou a fama em sua arte e, inclusive, a sua própria como um mecanismo de desilusão. Ele manipulava os valores mercantis da magia do estrelato fazendo com que aqueles que dele se aproximassem, achassem que tal contato poderia libertá-los da miséria de sua existência multiplicada enquanto desejo icônico, mas Warhol ao atraí-los para a sua arte da trapaça, acaba menos traindo a eles do que eles a si próprios, já que se traem a si mesmos porque são crédulos em relação ao poder de cura da fama: promessa da estética ou da “marca” warholiana.

Warhol considera a fama como um espelhamento da banalidade tanto da sua como da nossa existência. Para Kuspit, Warhol investigou o glamour dos famosos e interrogou-o até o limite se sua desintegração; deste modo, mostrou que a fama é uma camuflagem rasa, e todo ambiente ao redor não é mais que um baile de máscaras.

A arte de Warhol, portanto, é um exercício prolongado e implacável na direção de desvelar os processos entrópicos contidos na banalização. Na verdade, para ele, mais do que para qualquer outro artista pop, o método é o mestre da arte. Warhol utiliza a serialidade (as coisas feitas em série) para reforçar a autorreferencialidade banal dos sujeitos da fama, independentemente da sua aparência. A fama, assim, se banaliza e se esvazia na mesma medida em que é multiplicada. Warhol, de acordo com Donald Kuspit, sugere que para ser famoso basta sucumbir a uma repetição ad nauseam tal como aquela de um disco arranhado. O que está em causa aqui é a noção de reificação.

Warhol compreende que os famosos estão dispostos a render-se à banalidade para sustentar sua fama, como se eles acreditassem que apenas quando a fama é completamente domesticada pela banalidade é que ela se torna convincente para eles mesmos. Mas a arte de Warhol reforça em tom cínico, isto é, dissimulando seu desejo pelo glamour que emana da fama, que o mundo pop da banalidade é incapaz de nos libertar do sentimento de nada, ou de ser nada.

Em certo sentido, toda a carreira de Warhol é uma demonstração perversa de que a fama, como última esperança terapêutica, não cura coisa nenhuma. Através de sua arte ele aborda e projeta seu sentimento de ser nada e o nada da fama que se deposita em produtos e marcas do mundo da mercadoria e nas pessoas reféns da cultura da celebridade.
A arte de Warhol sinaliza o fim da crença no poder terapêutico da arte. Ela existe para nos desiludir sobre a arte, e é uma arte da desilusão. Para Kuspit, a de Warhol é a primeira arte genuinamente pós-modernista. Acreditar no poder saneador da arte é um dos pilares do modernismo, isto é, os artistas modernistas acreditam que a transformação revolucionária na arte demonstra seu poder de também transformar para melhor a vida do indivíduo.

Esta é, aliás, a lógica final para a utopia modernista. Da mesma forma, a descrença no poder de cura da arte é a pedra angular do pós-modernismo, e a fonte a partir da qual vem seu historicismo regressivo e a semioticização de feição virtuosística da arte que se segue. Kuspit considera que o pós-modernismo ao reduzir a arte à sua própria história, formando um panorama fechado em si mesmo, sugere uma espécie de involução, exaustão e futilidade. O pós-modernismo envolve a reificação intelectual e fornece à vanguarda a categoria de desindividualização.
Donald Kuspit observa que em algum momento Warhol se descreve a si mesmo como uma máquina. Sua arte era na verdade uma máquina para extrair a fama dos seres humanos como se a celebridade decorrente fosse a alma ou a essência deles. Nesse processo Warhol como que os compactava. O destilado concentrado da fama foi um tipo de produto para ser bebido por Warhol como um elixir da juventude. É como se Warhol fosse um parasita; quanto maior e mais eficaz é a sua arte, menos humanos se tornam os sujeitos da fama banalizados e/ou esvaziados pela reificação serial das obras warholianas.

Entretanto, Kuspit não pensa que Warhol levasse a sério a metáfora autocrítica de que ele seria uma máquina. É claro que o artista foi inteiramente irônico. Na verdade, o artista usou dessa metáfora para afirmar implicitamente a existência de uma identidade entra a máquina e Deus no mundo moderno. Warhol se definia como uma “máquina de influenciar”. Na era da fama e das celebridades esvaziadas, especular sobre os desejos e influenciar a recepção da audiência são estratégias fundamentais do trapaceiro pop.
Warhol simplesmente materializou através de sua arte a verdade de que a fama, glamourizada de forma cética e perversa pela estética pop, não é nada mais nada menos do que aparência, uma carência inexaurível de sentido. Através de uma alegre hostilidade, a trampa artística de Andy Warhol reduz o humano à rotina mais simples e banal, ao invés de enriquecer o nosso sentido acerca de suas possibilidades de complexidade e sutileza.


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1 Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012) e Empresto do Visitante (2013). Dá expediente no blog